Trecho selecionado do livro “Ensinar e Aprender” (p. 48-53)
DA CRIAÇÃO DE IMAGENS
Na juventude, apraz-nos a atividade – escutar o canto matinal dos pássaros, admirar as colinas após a chuva, os rochedos cintilando ao sol, o brilho das folhas, contemplar a passagem das nuvens e alegrar-nos em uma clara manhã com o coração pleno e a mente aberta. No entanto, perdemos esta boa disposição com o correr dos anos, quando surgem as preocupações, as ansiedades, as contendas, os ódios, os temores, na eterna luta pela sobrevivência. Passamos os dias brigando uns com os outros, sentindo simpatias e antipatias, e algum prazer de vez em quando. Não ouvimos os passarinhos, já não admiramos as árvores, nem vemos o orvalho na grama, nem as aves a voar, nem o brilho da pedra numa escorregadia vertente à luz da manhã. Não costumamos ver nada disto quando nos tornamos adultos. Porquê? Não sei se a si próprios já fizeram tal pergunta. Se não, é este o momento de formulá-la. Do contrário, em breve estarão aprisionados. Irão para uma universidade, casar-se-ão, terão filhos, marido, mulher, responsabilidades; serão obrigados a cuidar da subsistência; depois virá a velhice e, por fim, a morte. Em geral, é isto o que acontece. Cumpre interrogar-nos, então, porque perdemos a sensibilidade, porque já não apreciamos as flores, nem nos deleitamos com o gorjeio dos pássaros. Porque deixamos de contemplar a beleza? Creio que a razão principal é vivermos tão ocupados com a nossa personalidade. Por certo, temos todos uma imagem de nós mesmos.
Trecho selecionado do livro “O Despertar da Sensibilidade” (p. 13-19)
Vou agora examinar esta questão do conflito. Para compreender o conflito, tendes de observar a vós mesmo. E a observação exige desvelo. Desvelo significa compreensão, afeição: como quando se cuida de uma criança, em que não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa compreensão; estudá-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação; por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação ou comparação, porém sempre a observação pura e simples de tudo o que está ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou viajando num ônibus, ou conversando com alguém, etc. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.
Trecho selecionado do livro “O Novo Ente Humano” (p. 82-90)
Autoconhecimento não significa acumular conhecimentos sobre si próprio; significa observar a si próprio. Se aprendo acumulando conhecimentos, nada aprendo a respeito de mim mesmo. Há duas maneiras de aprender. A primeira é aprender acumulando conhecimentos c, com eles, observar; isto é, observar através do crivo do passado. Observo-me, tenho experiências, acumulo conhecimentos derivados dessas experiências; olho-me através dessas experiências, isto é, olho-me mediante o passado. Essa é uma das maneiras de aprender. A outra maneira é observar o movimento de todos os pensamentos, de todos os “motivos”, e jamais acumular. Por conseguinte, este aprender é um processo constante.
Trecho selecionado do livro “O Vôo da Águia” (p. 36-45)
MEDITAÇÃO
O Significado da “Busca”; problemas atinentes à prática (adestramento) e ao controle; natureza do silêncio.
Desejo falar a respeito de um assunto que se me afigura de suma importância; compreendendo-o, ficaremos, talvez, habilitados a alcançar, por nós mesmos, um percebimento total da vida e, portanto, a agir de maneira completa, livres e felizes.
Andamos sempre a buscar uma certa coisa misteriosa, porque nos vemos insatisfeitos com a vida que estamos levando, com a superficialidade de nossas atividades, tão pouco expressivas, às quais, entretanto, queremos dar significação e sentido; mas esta é uma atividade do intelecto e, por conseguinte, será sempre superficial, ilusória, e, por fim, sem nenhum significado. Todavia, sabendo de tudo isso – sabendo que nossos prazeres são efêmeros e nossas atividades diárias mera rotina; sabendo também que nossos problemas – tantos deles – talvez nunca possam ser resolvidos; e já descrentes de tudo, sem fé nos valores tradicionais, nos instrutores, nos gurus, nas sanções da Igreja e da sociedade – continuamos, a maioria de nós, a tatear, a buscar alguma coisa de real valia, incontaminada pelo pensamento, um certo estado extraordinário, de real beleza e êxtase. A maioria de nós, parece-me, deseja descobrir algo que seja duradouro, que não possa corromper-se facilmente. Esquecendo a realidade objetiva, entregamo-nos – sem emoção ou sentimentalismo – a esse profundo ansiar, essa profunda inquirição, que porventura nos dará acesso a uma realidade não mensurável pelo pensamento e que não cabe em nenhuma categoria de fé ou de crença. Mas, tem o buscar alguma significação?
Trecho selecionado do livro “Onde Está a Bem-aventurança” (p. 118-122)
Peço-vos, portanto, não aceiteis o que este orador está dizendo, mas, sim, vos sirvais dele como um espelho, no qual vos vedes refletidos tais como sois. Isso pode ser um tanto assustador, mas é necessário vos verdes realmente nesse espelho, a fim de descobrirdes o verdadeiro, sem ser conforme alguma opinião, ou segundo a experiência ou a teoria de outrem. Estamos considerando a questão das relações, questão sumamente importante, porquanto a vida, em todos os seus aspectos, é relação; a vida cessa quando não há relação. O monge que se retira para urna caverna solitária, ou uma cela, ou o que quer que seja, continua a estar em relação, ainda que não pareça. Pode estar em relação com uma idéia, um conceito, uma fórmula; ele continua num estado de relação. E “estar em relação” significa estar ativo no presente, pois de outro modo não há relação. Para a maioria de nós, “relações” significa lembranças de prazeres ou dores acumuladas nas relações com outra pessoa – nas relações entre marido e mulher, entre os filhos, etc. Assim, todas as nossas relações – se as observamos bem – baseiam-se numa imagem. E a imagem é o passado; pode-se-lhe tirar ou acrescentar alguma coisa, mas, no âmago, ela é sempre o passado. Podeis ver muito facilmente como se forma essa relação, essa imagem. Não há necessidade de examinar isso, porquanto o seu mecanismo é bastante óbvio: o pensamento, remoendo o insulto, o prazer, as exigências e apetites sexuais e sua satisfação, etc., formou, a pouco e pouco, essa imagem de prazer e de dor que constitui a essência de todas as relações, sejam as relações entre o homem e a mulher, sejam as relações entre o indivíduo e a comunidade ou entre a comunidade e a nação ou o mundo. Assim, quando se está examinando esta questão das relações, torna-se naturalmente necessário compreender, por inteiro, o processo do pensar. Existe uma relação verdadeira no amor, tal como o conhecemos? No amor, que lugar cabe ao pensamento? Existe amor, se existe pensamento?
Por que nos magoamos?
I – Alguma vez você fica magoado, senhor?
K – Fisicamente, você quer dizer?
I – Não é bem isso. Não sei como expressá-lo em palavras, mas sentimos em nosso íntimo que as pessoas podem nos causar mal, ferir-nos, fazer-nos infelizes. Alguém diz qualquer coisa e nós nos encolhemos. Refiro-me a isso quando falo em nos magoar. Todos nos magoamos uns aos outros desse jeito. Alguns o fazem deliberadamente, outros sem o saber. Por que ficamos magoados? É tão desagradável!