- Vivência Sem Imagem, Recalque, Mágoa, Lástima
A palavra inocente significa não ferir, ter a capacidade de não magoar (lastimar?) nem ser magoado. Pode a sua mente descobrir o caminho de viver sem recalque? Não pela resistência, não pelo isolamento, mas morrendo para todas as identificações, (…) apegos, dependências, internamente, porque inevitavelmente é o que terá de acontecer. Quando vem a morte, você está doente, gagá ou inconsciente. (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 61)
No entanto, agora, estando cheio de vitalidade, não neurótico, mas são, equilibrado, capaz de raciocínio, com energia, morrer para todas essas coisas que se têm acumulado. Do contrário, não há liberdade. Morrer todos os dias é amar. Não se pode amar se não há liberdade. Não há liberdade se há o “mim”, que é acumulação, imagens, movimento de identificação e separação; esse “mim” impede o amor. Deve-se morrer todos os dias, para se conhecer o que é o amor. (…) (Idem, pág. 61)
(…) Enquanto alguém tiver uma imagem de si próprio, ficará magoado. Essa é uma das infelicidades na vida; (…) E que é isso que se sente ofendido? É a imagem de si mesmo, que cada um há construído. Se a pessoa estivesse totalmente livre de imagens, não seria afetado nem pelas ofensas nem pela adulação. (La Llama de la Atención, pág. 88)
Agora quase todos encontram segurança na imagem que hão construído de si mesmos, que é a imagem criada pelo pensamento. De modo que, observando isso, perguntamo-nos se essa imagem, construída desde a infância (…), pode terminar completamente. Porque só então poderemos ter algum tipo de relação com os outros. Na relação, quando não há imagem, não há conflito. (…) (Idem, pág. 88)
(…) Ao inquirir desse modo, como temos de reconhecer as confusões, as contradições, o movimento total da consciência? Temos de reconhecê-lo pouco a pouco? Tomem, por exemplo, o estigma psicológico que cada ser humano experimenta desde a infância. Ele é ferido psicologicamente pelos pais, depois (…) na escola, na universidade, por causa da comparação, da competência, (…) que ele tem que ser superior aos outros (…) Durante toda a vida, existe esse constante processo de ser reprimido. (La Llama de la Atención, pág. 108)
(…) Sabemos disto, (…) que todos os seres humanos se acham profundamente recalcados, ainda que possam não ser conscientes disso e que, por causa dessas marcas psicológicas, surgem todas as formas de ação neurótica. Tudo isso é parte da consciência de cada um de nós; a parte oculta e a parte que se revela (…) (Idem, pág. 108)
(…) Pois bem, seria possível nunca ficarmos ofendidos? Porque, em conseqüência dessas marcas psicológicas, construímos um muro ao redor de nós mesmos e nos afastamos de nossa relação com os demais, para que não voltem a nos reprimir. E nisso há temor e um paulatino isolamento. Perguntamo-nos, pois: seria possível não só ficarmos livres dos estigmas passados, mas também jamais nos ferirmos de novo? – porém não mediante a insensibilidade, a indiferença ou o descuido de nossas relações. (Idem, pág. 108-109)
Deve o indivíduo investigar por que se sente complexado e que é sentir-se magoado. Essas marcas psicológicas fazem parte da consciência de cada um de nós, e delas emanam diversas ações neuróticas e contraditórias. (…) Não é algo que está fora de nós, senão que é parte de nós mesmos. (…) (La Llama de la Atención, pág. 109) Que é que se sente ferido? Um indivíduo diz: “Sou eu que estou magoado” Que é esse “eu”? Desde a infância tem construído uma imagem de si mesmo. Tem muitas, muitas imagens; não só as imagens que as pessoas lhe fornecem, senão as que ele próprio fabrica; como americano – essa é uma imagem – ou como hindu, ou como especialista. Portanto, o “eu” é a imagem que ele tem produziu de si mesmo como uma grande pessoa ou como uma pessoa muito boa; e essa imagem é que fica recalcada. (…) (Idem, pág. 109)
(…) Pode o indivíduo ter de si mesmo a imagem de um grande orador, um escritor, um ser espiritual, um líder. Essas imagens são a essência do “si mesmo”; quando ele diz que se sente magoado, quer dizer que as imagens estão ofendidas. Se tem uma imagem de si mesmo, e vem outro e diz: “Não seja néscio!”, fica ele magoado. A imagem própria que há fabricado é o “eu”, e essa imagem fica recalcada. Carrega-se essa imagem e essa ferida psicológica pelo resto da vida. (…) (La Llama de la Atención, pág. 109-110)
As conseqüências de nos sentirmos magoados são muito complexas. (…) Seria, então, possível não se ter nenhuma imagem de si mesmo? Por que tem ele uma imagem de si próprio? Pode um indivíduo ter boa aparência, ser brilhante, inteligente, perspicaz, e um outro deseja ser como ele, e, se não é, se sente magoado. A comparação pode ser um dos fatores que contribuem para que fiquemos psicologicamente recalcados. (…) (Idem, pág. 110)
(…) Existe, pois, uma maneira de encarar o fato sem que intervenha um só motivo? Ou seja, você não tem um motivo, e pode ser que sua esposa, sim, tenha um motivo. Então, se você não tem motivo, como está olhando o fato? O fato não é diferente de você, você é o fato. Você é a ambição, é o ódio. (…) Há uma observação do fato que é você mesmo, na qual não intervém nenhuma explicação, nenhum motivo. É isso possível? Porém, quando você vê o absurdo de uma acepção semelhante, então está obrigado a ver que todo esse tormento é você mesmo; o inimigo é você, não sua esposa. (La Llama de la Atención, pág. 124-125)
Você se encontrou com o inimigo e descobriu que o inimigo é você mesmo. Pode, pois, observar todo esse movimento do “eu”, do “si mesmo” (…)? (…) Quando o indivíduo olha para si mesmo sem um motivo, há o “eu”? O “eu” como a causa e o efeito,o “eu” como resultado do tempo, que é o movimento da causa ao efeito. Quando você se olha a si mesmo, (…) sem uma causa, há algo que termina e há algo totalmente novo que começa. (Idem, pág. 125)
Voltemos à pergunta “que significa estar cônscio?” Existe um percebimento daquela árvore, (…) nuvem, do capim cintilante ao amanhecer; existe um percebimento (…) sem nenhuma interferência do pensamento ou do conhecimento, que causam divisão. (…) Olhar para a esposa ou o marido, para a amiga ou o amigo, sem a respectiva imagem (…)? Já vistes o que a imagem implica (…)? Aí está a chave de todo o problema. (…) Quando não há o observador e a coisa observada, não há conflito e, por conseguinte, há ação imediata. (…) (A Libertação dos Condicionamentos, pág. 41)
Cabe então indagar: é possível viver neste mundo sem auto-imagem? O ser humano torna-se médico, cientista, professor, físico, e serve-se dessa profissão para criar sua imagem e, desse modo, produz conflito ao exercê-la. (…) (Ensinar e Aprender, pág. 49)
(…) Se (…) a criatura dança bem, se toca um instrumento qualquer, ela usa o instrumento ou a dança para projetar-se, para mostrar o quão maravilhosa ela é. É assim que a maioria vive, ou seja, incentivando, fortalecendo o ego. Daí a intensificação do conflito; a pessoa, de tanto pensar em si, se embrutece, perdendo o sentido da beleza, da alegria, da lucidez. (Idem, pág. 49)
A mente, pois, está cônscia de ter criado uma imagem de si própria, e que todo esforço para dissipar, dissolver ou fazer alguma coisa a respeito dessa imagem nasce de outra imagem, existente num nível muito mais profundo e que diz: “não devo criar nenhuma imagem”. (…) Vejo que isso é um fato e, por conseguinte, minha mente não está fazendo esforço algum para dissipar a imagem. (…) Visto que não faz esforço algum para alterar a imagem, a própria mente é essa imagem. Não existem separadas a mente e a imagem. (…) A mente, por conseguinte, percebe que ela própria é a criadora da imagem. (O Descobrimento o Amor, pág. 98-99)
Se percebeis esse fato, realmente, a imagem perde então toda a importância. A mente está então apta a resolver qualquer problema, qualquer crise que surja, sem o auxílio de nenhuma conclusão prévia, emanada da imagem. A mente está agora livre de todas as imagens e, por conseguinte, não se acha numa posição estática, sobre um pedestal. (…) Não tenho nenhuma imagem, nenhum centro, nem conclusão, de onde estou olhando; por conseguinte, não há contradição, (…) não há problema. (Idem, pág. 99)
À lembrança de experiências, a mágoas, a apegos, a tudo isso. Ora, isso pode ter um fim? Naturalmente que sim. Eis a questão: isso pode ter um fim quando a própria percepção indaga: “o que é isso?” O que é a mágoa? O que é o dano psicológico? A percepção disso é o fim disso; é não o levarmos adiante, que é o tempo. (…) (A Eliminação do Tempo Psicológico, pág. 81)
Naturalmente. Se eu não estiver ferido, não saberei nada a respeito da separação ou da não-separação. Se eu estiver ferido, serei irracional enquanto mantiver essa mágoa. (Idem, pág. 84)
Tenham um insight, por exemplo, das mágoas e sofrimentos que uma pessoa trouxe da sua infância. Todas as pessoas são magoadas, por várias razões, desde a infância até a morte. Há essa ferida, nelas, psicologicamente. (…) Você pode ir a um psicólogo, a um analista, a um terapeuta, e ele poderá descobrir por que você está magoado; (…) mas não será pela mera investigação da causa que a mágoa será resolvida. (Perguntas e Respostas, pág. 21-22)
Ela está lá. As conseqüências dessa mágoa são o isolamento, o medo, a autodefesa, para evitar que você seja ferido novamente; portanto, há o fechamento em si próprio. (…) Esse é o mecanismo da mágoa. A mágoa é a imagem que você criou de você mesmo. Por isso, enquanto essa imagem permanecer, você estará ferido, obviamente. (Idem, pág. 22)
Pois bem, ter um insight disso tudo sem análise – percebê-lo instantaneamente – essa própria percepção é insight; ela exige toda a sua atenção e energia; nesse insight a mágoa é dissolvida. Ele dissolverá sua mágoa completamente, não deixando nenhuma marca; portanto, ninguém jamais poderá feri-lo outra vez. A imagem que você criou de você mesmo não existe mais. (Idem, pág. 22)
Se morrerdes para o “conhecido”, a imagem de vossa esposa, vosso marido, vosso filho, para as lembranças de tudo o que fizestes juntos, que vos restará? Nada. (…) E é o conhecimento consciente ou inconsciente desse fato que vos faz medo. “Ficar sem nada” é um estado brutal, e a maioria de nós não deseja passar por esse estado; mas ele é a morte. (…) Mas se se chega até aí, encontra-se o “desconhecido”, um movimento fora dos limites do tempo, fora do pensamento e do padrão “conceitual” da existência (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 84-85)