- Vir-a-ser, Não-vir-a-ser; Ser, Não-ser; Automistificação
A luta não se acha num único nível da existência, mas em todos os níveis. O processo de vir-a-ser é luta, conflito. O funcionário que luta para se tornar gerente, o vigário que luta para ser bispo, o discípulo que luta para transformar-se em Mestre – esse vir-a-ser psicológico é esforço, conflito. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 192)
(…) A existência pode exigir esforço, mas só estamos considerando o processo de vir-a-ser, o impulso psicológico para ser melhor, vir-a-ser alguma coisa, lutar por transformar o que é no seu oposto. Esse vir-a-ser psicológico pode ser o fator que torna doloroso, cheio de competição e de conflito, o nosso viver de cada dia. (…) Eu sou isto e quero tornar-me aquilo. (…) Depois de me tornar aquilo, aparece outro aquilo, e assim por diante, infinitamente. (Idem, pág. 193)
(…) Vós sois isto, de que não gostais, e quereis ser aquilo, de que gostais. O ideal é uma autoprojeção; o oposto é um prolongamento do que é (…) A projeção provém da vontade do “eu”, e conflito é a luta para alcançar a projeção. (…) Esse conflito é o que é, em luta para vir-a-ser o que não é; e o que é, é o ideal, a autoprojeção. Estais lutando para vos tornardes uma coisa, e essa coisa é uma parte de vós mesmo. (…) (Idem, pág. 194)
(…) Estamos cônscios, em nossa vida, do dualismo e seu conflito constante: desejar e não desejar, céu e inferno, Estado e cidadão, luz e treva. Não surgirá o dualismo do próprio desejo? A vontade de vir-a-ser, de ser, não encerra também a vontade de não-vir-a-ser? No desejo positivo existe também negação e, assim, o pensamento-sentimento se vê envolvido no conflito dos opostos. (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 35)
A completa integração do pensador com o seu pensamento não poderá dar-se se não existir compreensão do processo de “vir-a-ser” e do conflito dos opostos. Esse conflito não pode ser transcendido por ato de vontade, só o podendo ser depois de cessar a escolha. Problema algum pode ser resolvido no seu próprio nível; só pode ser resolvido duradouramente depois de o pensador desistir de vir-a-ser. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 94)
Pois bem; tentamos achar a verdade disso. Não nos será possível sairmos do tempo; não será isso possível, a todos nós aqui, não por algum meio de auto-hipnose, mas de fato? (…) Enquanto pensardes em termos de “vir-a-ser” – “serei bom”, “serei nobre”, “serei amanhã algo que não sou hoje” – nesse “vir-a-ser” está implicado o processo do tempo e há confusão. (…) (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 69-70)
Mas, em vez de “vir-a-ser”, podeis ser? – pois esse é o único estado em que pode haver transformação (…) radical. Vir-a-ser é um processo do tempo; o “ser” está livre do tempo. E como já expliquei antes, só no “ser” pode haver transformação, e não no vir-a-ser; só no terminar há renovação, e não na continuidade. Continuidade é “vir-a-ser”. Quando terminais alguma coisa, há um “estado de ser”, e é só no “ser” que pode haver transformação fundamental, radical. (Idem, pág. 70)
Nosso problema, pois, é o de pôr fim ao vir-a-ser – não o vir-a-ser cronológico, como o ontem “veio a ser” hoje, e hoje “virá a ser” amanhã – mas o “vir-a-ser” psicológico. Podeis dar um fim instantâneo a esse “vir-a-ser”? Essa é a única maneira nova de tratar o problema (…) Todas as outras maneiras são velhas. (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 70)
Ora, para se compreender o “estado de ser” em que não há luta, aquele estado de existência criadora, precisamos naturalmente investigar a fundo o problema do esforço. Isto é, vivemos no presente com esforço, toda a nossa existência é uma série de lutas, com nossos amigos íntimos, (…) nossos vizinhos (…) (A Arte da Libertação, pág. 107)
Enquanto não compreendermos essa questão do esforço e suas conseqüências, não estaremos, naturalmente, em condições de perscrutar aquele estado criador, que, é óbvio, não resulta de esforço. O pintor, o poeta, pode fazer esforço no momento em que pinta ou escreve, mas o encontro com o belo só ocorre quando a luta cessou de todo. (Idem, pág. 107-108)
Cumpre-nos, pois, investigar a questão do esforço, o que significa o esforço, o conflito, a luta por “vir-a-ser”. Por esforço, entendemos a luta em que nos empenhamos para nos preencher, para tornar-nos alguma coisa (…) Sou “isto” e quero tornar-me “aquilo” (…) No tornar-me “aquilo”, há luta, batalha, conflito, peleja. Nessa luta, estamos, inevitavelmente, interessados no preenchimento pela consecução de um fim; buscamos o preenchimento num objeto, numa pessoa, numa idéia, e isso exige batalha constante, luta, esforço para “vir-a-ser”, realizar. (…) (A Arte da Libertação, pág. 108)
Talvez, se compreendermos o que é ação criadora, estejamos aptos a compreender o que significa esforço. É a criação resultado de esforço, e estamos cônscios nos momentos em que somos criadores? Ou é a criação um estado de completo auto-esquecimento, aquele estado isento de agitação, em que estejamos de todo inconscientes do movimento do pensamento, quando só há o existir, o ser completo, integral, cheio de riqueza? (A Arte da Libertação, pág. 107)
Esse estado é resultado de labor, de luta, de conflito, de esforço? Não sei se já notastes que, quando fazeis uma coisa com facilidade, (…) presteza, não existe esforço, mas, sim, completa ausência de luta; mas como as nossas vidas, em geral, são uma série de batalhas, conflitos e lutas, somos incapazes de imaginar uma vida, um “estado de ser”, no qual tenha cessado toda luta. (Idem, pág. 107)
Quando dizemos “fazer esforço”, entendemos sempre um dispêndio de energia com o fim de alcançarmos um resultado (…) Para a maioria de nós, o esforço ou é positivo ou negativo, um processo de vir-a-ser ou não-vir-a-ser; e esse mesmo processo provém do centro do “eu” (…) Se sou invejoso e faço esforço para não o ser, não há dúvida de que a entidade que faz tal esforço é ainda o “ego”, o “eu”. Todo esforço para dominar o “eu” (…) é ainda parte do “eu”, (…) só pode dar-lhe mais força. (…) (Percepção Criadora, ps.31-52)
(…) Para transcender o sofrimento, é necessária a tranqüilidade da compreensão, e não o conflito e a dor de vir-a-ser. Quando o “ego” não se ocupa de seu próprio vir-a-ser, há uma clareza inesperada, um êxtase profundo. Esse enlevo intenso é o resultado do abandono do “ego”. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 101)
O importante é o ser e não o vir-a-ser, um não é o oposto do outro; havendo o oposto ou a oposição, cessa o ser. Ao findar o esforço para vir-a-ser, surge a plenitude do ser, que não é estático; (…) o vir-a-ser depende do tempo e do espaço. O esforço deve cessar; disso nasce o ser, que transcende os limites da moral e da virtude social. Essa maneira de ser é a própria vida, não mero padrão social. (Diário de Krishnamurti, pág. 62)
Pode o “eu”, constituído que é de lembranças acumuladas, conhecer a liberdade? Pode o “ego”, (…) fator de ignorância e conflito, alcançar esclarecimento? (…) Enquanto o “eu” (…) pensar em termos de ganho e de perda, vir-a-ser e não-vir-a-ser, estará o pensamento condicionado ao tempo. Jamais pode, o pensamento prisioneiro do passado, do tempo, conhecer o Atemporal. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 142)
(…) Ao contrário, a memória é um empecilho à compreensão do que é. Não sei se já notastes que um pensamento novo, um sentimento novo só se manifesta quando a mente não está presa na rede da memória. Quando há um intervalo entre dois pensamentos, entre duas lembranças, e quando é possível manter esse intervalo, dele surge um novo “estado de ser”, que já não é memória. (A Arte da Libertação, pág. 113)
Pensamos em termos de passado, presente e futuro – eu era, eu sou, eu serei. Pensamos e sentimos em termos de acumulação; estamos continuamente a criar e a nutrir a idéia do tempo, do “ser contínuo”. Ser não é totalmente diferente de “vir-a-ser”? Só compreendendo o processo e a significação do “vir-a-ser” podemos “ser” (Idem, pág. 142)
(…) Só quando o pensamento, pela diligente vigilância de si mesmo, se liberta do vir-a-ser, do passado, só quando está totalmente tranqüilo, existe o Atemporal. (Idem, pág. 143)
Esse “vir-a-ser” não é preenchimento, mas sim imitação, a cópia de um padrão, daquilo que se denomina perfeição; é proselitismo, obediência, a fim de conseguir o desejado e ter êxito. (…) (Palestras em Ojai, Califórnia, 1936, pág. 80)
O futuro é sempre um “vir-a-ser”; e, nessas condições, o presente, no qual, tão somente, pode haver compreensão, nunca é aprendido por nós. Enquanto há “vir-a-ser”, há conflito. E o “vir-a- ser” é sempre o passado a servir-se do presente, para ser, alcançar seus fins. No processo desse “vir-a-ser”, fica o pensamento aprisionado na rede do tempo. (…) (O que te Fará Feliz, pág. 103)
Existe um modo diferente de encarar a vida, não do ponto de vista dos opostos, da fé e da ciência, do temor e da mecanização (…) Isto é, cada um tem de discernir o processo de vir-a-ser e o de cessação aparente, o processo de nascer e de morrer. (Palestras em Nova York, Eddington, Madras, 1936, pág. 34)
A transformação não é um fim, um resultado. Quando desejais ser transformado, estais ainda pensando em termos de vir-a-ser; quem está empenhado em vir-a-ser não pode saber o que é ser. A verdade é ser momento a momento (…) A felicidade é aquele estado de ser que é atemporal. (…) (A Primeira e Última Liberdade, pág. 283)
(…) Isto é, (…) vós o fazeis quando vos encontrais frente a frente com um problema novo. Ora, este é um problema novo: como pôr fim ao tempo. Sendo novo, precisais estar completamente novos em face do mesmo. Porque se pensais em termos do que é velho, estais então traduzindo o novo problema no velho, (…) interpretando-o erroneamente. Quando tendes um problema novo, deveis tratá-lo de modo novo; e o que é novo não está no tempo. (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 70-71)
A questão, pois, é seguinte: (…) Podeis estar cônscios daquele estado de ser em que não existe o tempo? Se estais cônscios, (…) vereis que há uma tremenda revolução, a qual se verifica instantaneamente, porque o pensador deixou de existir. É o pensador que produz o processo de “vir-a-ser” (…) Porque o findar do pensamento é o começo da meditação real; e só então há uma revolução, uma maneira fundamentalmente nova de considerar a existência. (Idem, pág. 71)
A nova maneira de tratar o problema é fazer findar o tempo; e eu digo que isso pode fazer-se instantaneamente, quando há verdadeiro interesse. Podeis sair do rio para a margem, em qualquer ponto. O rio do “vir-a-ser” se acaba quando compreendeis o processo do tempo; para compreendê-lo, precisais aplicar-vos com toda a vossa mente e todo o vosso coração. (…) (Idem, pág. 71)
(…) O método, o sistema é uma maneira positiva de negar, tornando-se, assim, o pensamento incapaz de encontrar sua própria essência. Para descobri-la, o pensamento tem de cessar. A essência do ser é o não-ser, e para “ver” a totalidade do não-ser, deve o homem libertar-se do vir-a-ser. (…) (Diário de Krishnamurti, pág. 51)
(…) Essa solidão é a própria mutação da consciência, a completa transformação daquilo que foi. Ela é o vazio e a ausência do ser e do não-ser. A mente se renova, a cada instante, na chama desse vazio. (…) Apenas à mente vulnerável é acessível o infinito, em que da destruição surge o novo, a criação e o amor. (Idem, pág. 92)
Parece-me, por conseguinte, importante compreendermos esse “processo de vir-a-ser” que existe em nós mesmos – e essa compreensão é, em essência, autoconhecimento. Autoconhecimento é a compreensão do vir-a-ser, ou seja, o “eu”, e sem essa compreensão a mente nunca estará vazia e livre para compreender o Real. (O Homem Livre, pág. 177)
Pensamos em termos de passado, presente e futuro – eu era, eu sou, eu serei. Pensamos e sentimos em termos de acumulação; estamos continuamente a cria e nutrir a idéia do tempo, (…) “Ser” não é totalmente diferente de “vir-a-ser”? Só compreendendo o processo e a significação de “vir-a-ser”, podemos “ser”. (…) Quando percebeis a imensidade do “ser”, há então silêncio: a sua própria intensidade traz a placidez. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 142-143)
Devemos (…) compreender o processo de “vir-a-ser” e tudo o que nele está implícito, antes de podermos compreender o que é “ser”. (…) Julgamos que a Realidade ou Deus pode ser alcançado com o tempo, com o vir-a-ser. (…) (Idem, pág. 175-176)
(…) Nosso pensamento-sentimento está colhido no processo horizontal do “vir-a-ser”; o que vem a ser está sempre acumulando, (…) adquirindo, (…) a expandir-se. O “ego”, o que vem a ser, o criador do tempo, jamais pode conhecer o Atemporal. O “ego”, que quer vir-a-ser, é causa do conflito e do sofrimento. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 176)
O “vir-a-ser” leva-nos ao “ser”? Pode-se, pelo tempo, alcançar o Atemporal? Pode-se, pelo conflito, atingir a tranqüilidade? (…) Só depois de extinguir-se o vir-a-ser, há o ser; no processo horizontal do tempo não se encontra o Eterno (…) (Idem, pág. 176)
Só há o ser quando não existe esforço, positivo ou negativo, de vir-a-ser. É só quando o que quer vir-a-ser está vigilante de si próprio e compreende o sofrimento e o inútil esforço de vir-a-ser, e quando já não se serve da vontade – é só então que ele poderá estar em silêncio. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 177)
O desejo e a vontade se acalmaram; só então existe a tranqüilidade da suprema sabedoria. (…) “Vir-a-ser” implica movimento, e “ser” não. Todo movimento implica tempo; o “ser” não é resultado, não é produto de educação, de disciplina e condicionamento. (…) Todo resultado é um processo temporal; (…) ora, através (…) do tempo, não é possível atingir o Atemporal. (Idem, pág. 177-178)
Quando há “experimentador”, não há o que experimenta nem a coisa experimentada. Nesse “estado de experimentar”, que é sempre novo, que sempre é ser – embora se possa comunicar esse ser mediante o uso de palavras – o indivíduo sabe que a palavra não é a experiência, a coisa (…) O “experimentador” não é, pois, verbalização.
“Experimentar” é a mais elevada forma de compreensão, porquanto é a negação do pensar. (…) Não se trata, pois, absolutamente, de controlar o pensamento, mas de se ficar livre do pensamento. É só quando a mente fica livre do pensamento, que há percepção daquilo “que é”, do que é eterno, a Verdade. (O que te fará Feliz, pág. 125-126)
Para compreenderdes uma experiência completamente, precisais aproximar-vos dela com a mente límpida, (…) ter uma clareza ampla, simples, de mente e coração. (…) A memória impede-nos de nos aproximarmos das experiências abertamente, claramente. (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 127)
Porém, dizeis: “que devo fazer com todas as memórias que tenho?” Não as podeis repelir. Mas o que podeis fazer é defrontar a vossa próxima experiência completamente; então vereis como as memórias passadas entram em ação, e é essa a ocasião de defrontá-las e dissolvê-las. (Idem, pág. 128)
Mas, que acontece quando a mente está tranqüila, (…) quieta, (…) não mais está empenhada em “vir-a-ser”, (…) já não “anda à procura de um fim, (…) está extraordinariamente vigilante, passiva? Nesse silêncio, há um movimento, um “experimentar” no qual não existe o tempo. É um estado no qual não existe nem passado, nem presente, nem futuro. (…) (O que te fará Feliz?, pág. 97)
Ter um objetivo, um fim para alcançar, impede o autoconhecimento; a vigilância diligente revela-nos as atividades do “ego”. (…) Nosso pensamento (…) está baseado no passado, no condicionamento. Sem compreendermos o passado não há compreensão do Real. A compreensão do passado deve ser buscada através do presente. (…) O Real não tem causa, e não o pode compreender o pensamento, que foi causado. (…) Todo pensar verdadeiro é, pois, resultado do autoconhecimento. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 62)
Não é a essência criadora da Realidade que é a norma? (…) É só na essência criadora da Realidade que se verifica o término do conflito e da aflição. Mas subsistirá a separação e a desigualdade, enquanto houver “vir-a-ser” (…) Esse anseio de vir-a-ser nasce da ignorância, pois o presente é que é Eterno. É só na solidão da Realidade que se encontra a plenitude; na chama da criação não há “outro”: só há o Ser único. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 139-140)
A vigilância leva-nos à meditação; na meditação dá-se a união do Ser com o Eterno. O “vir-a-ser” nunca poderá transformar-se no Ser. “Vir-a-ser” é expansão do “ego”, é reclusão, e é necessário que se detenha essa atividade; veremos, então, manifestar-se o Ser. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 271)
Esse Ser escapa ao nosso raciocínio, ultrapassa a nossa imaginação; se nos pomos a pensar a seu respeito, esse mesmo pensar torna-se um empecilho ao conhecimento. O que o pensamento pode fazer é somente estar cônscio de seu vir-a-ser, tão complexo e sutil, e estar cônscio de sua engenhosa inteligência e vontade. Com o autoconhecimento vem-nos o pensar verdadeiro, a base da verdadeira meditação. (Idem, pág. 271-272)
(…) Assim, pois, quando a mente compreende o problema da transformação radical, momento a momento, há, então, aquele silêncio que não é silêncio produzido pela acumulação, (…) pela memória, mas um “estado de ser” – silêncio que está fora do tempo (…) Se houver esse silêncio, vereis que haverá uma transformação radical no centro. (As Ilusões da Mente, pág. 43)
(…) Esse estado de ser, de criação, surge só quando a mente está em completo silêncio. (…) não está à procura de recompensa. Há então paz permanente; e porque não sabemos como se chega a esse estado, buscamos a satisfação (A Arte da Libertação, pág. 197)
Mas, se a mente se compreende a si mesma e descobre aquele estado em que há felicidade completa, há então criação; e essa criação é, ela própria, a finalidade total de toda a existência. (Idem, pág. 197)
(…) Por mais pobre que sejais, por mais vazio ou estúpido, se puderdes ver a coisa tal como é, isso começará a transformar-vos. A mente, porém, que só quer “vir-a-ser” não pode compreender o “ser”. É a compreensão do “ser”, (…) daquilo que somos, que produz uma extraordinária exaltação, a libertação do pensamento criador, da vida criadora. (Debates sobre Educação, pág. 97)
Qual é a razão, qual é a base da automistificação? Quantos de nós estamos verdadeiramente cônscios de que estamos enganando a nós mesmos? (…) Sabemos que estamos enganando a nós mesmos? Que pretendemos com essa mistificação? Julgo muito importante o problema, pois, quanto mais enganamos a nós mesmos, tanto mais cresce a força da ilusão, a qual nos transmite certa vitalidade, (…) energia, (…) capacidade, que nos leva a impor aos outros a nossa própria ilusão. Assim, gradualmente, não estou impondo uma ilusão a mim mesmo, mas também a outros. (Quando o Pensamento Cessa, pág. 187)
O pensamento, em si, não é um processo de busca, uma procura de justificação, (…) de segurança, de automistificação, um desejo de ser tido em boa conta, (…) de posição, de prestígio e poder? Esse desejo de ser – política, religiosa ou socialmente – não é, ele próprio, a causa da automistificação? (…) (Idem, pág. 187-188)
Aquele que busca está sempre impondo a si mesmo aquela ilusão; ninguém lha pode impor; é ele próprio que a impõe. Criamos a ilusão e depois nos tornamos seus escravos. Assim, o fator fundamental da automistificação é esse desejo constante de ser alguma coisa, neste mundo e no outro. (…) (Idem, pág. 188-189)
Vemos que começamos a enganar a nós mesmos no momento em que existe esse impulso para ser, para vir-a-ser, conseguir. (…) É possível viver neste mundo e não ser nada? Porque é só assim que podemos estar livres de todas as ilusões; só assim a mente não fica a procurar um resultado (…) (Idem, pág. 189)
Por certo, enquanto vivermos a enganar a nós mesmos, de alguma forma, não poderá existir o amor. Enquanto a mente for capaz de criar e impor a si mesma uma ilusão, ela terá, evidentemente, de separar-se da compreensão coletiva ou integrada. Essa é uma das nossas dificuldades; não sabemos cooperar; o que sabemos é só trabalhar em conjunto visando a um fim que nós mesmos criamos. (Idem, pág. 189-190)