Krishnamurti: Que é a sociedade? Que é a família? Investiguemos, passo a passo, como se cria a sociedade, como nasce ela. Que é a família? Quando dizeis “minha família”, que entendeis? Meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã, o sentimento de aconchego, o sentimento de que vivemos todos na mesma casa, o sentimento de que meu pai e minha mãe irão proteger-me, a posse de certos bens, de joias, sáris, roupas. Esse é o começo da família. Há outra família igual a minha, que vive noutra casa, que sente o mesmo que eu sinto: o sentimento de “minha casa”, “minhas roupas”, “meu carro”, “minha esposa”, “meu esposo”, “meus filhos”; e mais outra família existe, que também sente exatamente a mesma coisa; de maneira que dez famílias residentes num mesmo lugar, sentindo as mesmas coisas, adquirem o sentimento de que não devem ser invadidas por outras famílias. Por conseguinte, começam a fazer leis. As famílias poderosas se instalam em melhores posições, têm grandes propriedades, mais dinheiro, mais roupas, mais carros. Reúnem-se, pois, as dez famílias e estabelecem leis que determinam o que devemos fazer. E assim, gradualmente, nasce uma entidade social, com leis, regulamentos, polícia, exército, marinha. Por fim, toda a superfície da terra está povoada por diferentes entidades sociais. Depois, algumas pessoas adquirem certas ideias e querem derribar as que se estabeleceram em certas posições e que têm o poder nas mãos. Dissolvem essa sociedade e formam outra.
A sociedade é constituída das relações entre as pessoas: relações de uma família com outra família, de um grupo com outro grupo, e dos indivíduos com a sociedade. Desse modo, as relações é que constituem a sociedade, as relações entre indivíduos, entre vós e mim, estabelecem a sociedade. Se sou ganancioso e disponho de poder, expulsar-vos-ei de vossa posição. E vós procedereis da mesma forma comigo. E, também, vós e eu elaboramos leis; e vêm outros e destroem as nossas leis e estabelecem um novo conjunto de leis; e assim por diante, indefinidamente. Na sociedade, como nos relacionamentos, há um conflito constante. Essa é a base simples da sociedade e ela se torna cada vez mais complicada à medida que os entes humanos se tornam mais complexos nas suas ideias, nas suas instituições mecânicas, na sua indústria.
Pergunta: Por que desejam as pessoas viver em sociedade? Elas podem viver sós.
Krishnamurti: Podeis viver só?
Pergunta: Vivo em sociedade porque meu pai e minha mãe pertencem ao meio social.
Krishnamurti: Para terdes emprego, para viverdes, para ganhares a vida, para fazerdes qualquer coisa, não precisais viver em sociedade? Podeis viver só? Para terdes alimento, dependeis sempre de alguém; de alguma pessoa dependeis para terdes roupas; mesmo que sejais um Sanyasi, dependeis de outro para terdes o que comer, o que vestir, onde morar. Não se pode viver sozinho. Não há entidade que exista completamente só. Estamos sempre em relação; apenas na morte se pode estar só. Na vida, estamos sempre em relação, em relação com nosso pai, nosso irmão, com o mendigo, o calceteiro, o Tahsildar, o coletor. Estais sempre em relação e, porque não compreendeis essa relação, existe conflito. Mas quando compreendemos a relação entre um homem e outro, não há conflito, nem problema relativo ao viver só.
Do livro NOVOS ROTEIROS EM EDUCAÇÃO – Uma Abordagem Radical, Jiddu Krishnamurti
Krishnamurti realizou estas palestras em Rajghat-Banaras, às margens do rio Ganges, durante o mês de dezembro de 1952, em presença de jovens de ambos os sexos, entre as idades de 9 e 20 anos.