- Retiro, Ashram, Comunidade; Experiências Diversas
Já se foi o tempo em que se abandonava o mundo pelo ascetismo ou pelo convento. Chegou a época da vida espontânea e da compreensão clara, e eu desejaria falar dessa compreensão que encontrei (…) (Vida em Liberdade, IV, pág. 15 – em “Carta de Notícias” da ICK, nº 1 a 6, de 1945)
Só pondo em prática (…) Antigamente, os que desejavam encontrar a verdade renunciavam ao mundo e se retiravam para a vida monástica ou ascética. Se eu tratasse de formar um grupo limitado e exclusivo de ascetas, talvez vos unísseis a ele – porém isso seria simplesmente um reconhecimento superficial do que quereis realizar. O esforço para compreender deve ser feito onde estais, dentro de vós mesmos, rodeado de toda espécie de confusões, de idéias contraditórias e do que chamais tentações. (…) (Experiência e Conduta, em “Carta de Notícias” de ICK, nº 3, de 1941, pág. 12-13)
Pergunta: Em vez de falardes a multidões heterogêneas, em muitos lugares, (…) por que não fundais uma comunidade ou colônia, criando um centro de aplicação prática da vossa maneira de pensar? Temeis que isso seja irrealizável?
(…) Não desejo fundar nenhum ashram ou comunidade, como desejais. Ora, por que desejais tal comunidade? Vou dizer-vos por quê. (…) Vós o desejais, porque gostaríeis de juntar-vos a outros para criar uma comunidade, mas não desejais criar uma comunidade “com vós mesmo”. Desejais que outra pessoa crie uma comunidade para, depois de tudo pronto, ingressardes nela. (A Arte da Libertação, pág. 145-146)
Em outras palavras, senhor, receais tomar a iniciativa, e por isso desejais tal “centro”. (…) Senhor, aí mesmo onde estais, podeis fundar uma comunidade, mas isso só será possível quando tiverdes confiança em vós mesmo. A dificuldade é que não a tendes (…) Por quê? Pela razão muito simples de que nunca experimentastes. (Idem, pág. 146)
Se pesquisardes, esse pesquisar vos dará confiança, porque a vossa mente se tornará sutil, ágil, flexível; e então, aí mesmo onde estiverdes, haverá um ashram; vós mesmo sereis a comunidade. (…) Sois mais importante de que qualquer comunidade. Se vos ligardes a uma comunidade, continuareis a ser como sois: tereis alguém que vos dará ordens, tereis leis, regulamentos e disciplinas. Sereis um homem comum (…) (Idem, pág. 146)
Só desejais uma comunidade, porque desejais ser dirigido, instruído sobre o que deveis fazer. O homem que deseja ser dirigido, está bem cônscio de sua falta de confiança em si mesmo (…) Senhor, o “centro” que desejais, está em vós mesmo; experimentai (…) Sois o único centro idôneo, e não a comunidade; e, quando a comunidade se tomar o vosso “centro”, estareis perdido. (A Arte da Libertação, pág. 146-147)
Espero que muitas pessoas queiram juntar-se para experimentarem em comum – pessoas que tenham toda a confiança era si mesmas. (…) Mas se ficais de fora e me perguntais “por que não fundais uma comunidade, para eu ingressar nela”, fazeis uma pergunta tola. Não desejo ashram nenhum, pela simples razão de que vós sois mais importante do que o ashram (…) (Idem, pág. 147)
Senhor, que se passa num ashram? Lá, o instrutor é que é importante; não é aquele que busca, mas sim o guru é que tem importância. O guru é todo autoridade, e vós lhe conferistes essa autoridade. Por conseguinte, quando ingressais nesses ashrams, destruí-vos a vós mesmo. (…) (A Arte da Libertação, pág. 147)
Se desejais formar uma comunidade, com o fim de experimentar, ela não deverá tornar-se o vosso “centro”; porque, no momento em que ela se torna vosso “centro”, vossa autoridade, já não estareis em busca da verdade; estareis aproveitando a luz de outrem, da atividade de outrem. É isso que desejais. (…) (Idem, pág. 147)
Se estais procurando a verdade, nunca ingressareis num ashram, nunca tereis um centro representado por outra pessoa. Sereis o vosso próprio “centro”. (…) Quando um homem experimenta, não sabe qual vai ser o resultado; essa é a beleza do experimentar. Se sabeis o que vai resultar, não estais experimentando. (A Arte da Libertação, pág. 148)
A dificuldade, pois, quando se tem um instrutor, uma comunidade, um ashram, é que fazeis dele vosso “centro” e vosso abrigo. A culpa não é tanto do guru, mas do seguidor. Fazeis do vosso guru vosso “centro” (…) para serdes instruído sobre o que deveis fazer. Nenhum homem pode dizer-vos o que deveis fazer. Se o diz, ele não sabe: um homem que sabe, não sabe. (Idem, pág. 148)
Não busqueis nenhum “centro”, nenhum abrigo, mas experimentai, tornai-vos confiante, e tereis o vosso “centro , que é a verdade. Percebereis, então, que vós sois a comunidade, que sois vosso próprio ashram. “Aí onde estais” – (…) a verdade está muito perto de vós, bastando que olheis. (Idem, pág. 148)
Ela fora escritora, e seus livros tinham ampla circulação. Disse que só após muitos anos encontrara possibilidade de vir para a Índia. (…) Tinha ido primeiro para certo ashram ou retiro, a respeito do qual havia lido. O guru, lá, era um velho suave, que tinha tido certas experiências religiosas, das quais vivia agora, e repetia (…) certas frases sânscritas, (…) Foi bem recebida (…) e achou fácil ajustar-se às suas regras. Passou lá vários meses, mas, não encontrando a paz desejada, anunciou, um dia, que ia partir. (…) (Reflexões sobre a Vida, pág. 114-115)
(…) Dirigiu-se então a um ashram situado nas montanhas, onde ficou algum tempo, feliz a princípio, pois o lugar era belo, com suas árvores, seus cursos d’água (…) A disciplina era um tanto rigorosa, o que, todavia, não lhe causava desprazer. Mas também aqui os vivos eram do número dos mortos. Os discípulos veneravam uma sabedoria morta, uma tradição morta, um instrutor morto. Ao partir dali, mostravam-se também chocados (…) (Idem, pág. 115)
Foi, em seguida, para um retiro muito afamado; onde se repetiam certas asserções religiosas e se praticavam meditações prescritas; mas, gradualmente, descobriu que se estava deixando prender e destruir numa armadilha. Nem o instrutor nem os discípulos queriam a liberdade, conquanto falassem a respeito dela. (…) Mais uma vez, rompeu as amarras e foi-se para outra parte; mais uma vez se repetiu a mesma história, com (…) variações. (Reflexões sobre a Vida, pág. 115)
“Posso assegurar-vos que estive na maioria dos ashrams importantes, e em todos queriam prender-me, adaptar-me à força ao padrão de pensamento que chamam “A Verdade”. Por que nos querem forçar a ajustar-nos a um padrão, ao modo de vida instituído pelo instrutor? Por que nunca dão a liberdade, mas só prometem a liberdade? (Idem, pág. 115)
A submissão dá satisfação; garante segurança ao discípulo e confere poder tanto ao discípulo como ao instrutor. Pela submissão fortalece-se a autoridade, secular ou religiosa; e a submissão leva a um estado de embotamento, a que chamam Paz. (…) A submissão anestesia a mente ao conflito. (…) Seria insensato de vossa parte descobrir qualquer coisa por vós mesma, quando o instrutor que vos conforta já o conhece; (…) (Reflexões sobre a Vida, pág. 115-116)
(…) Ninguém vai, realmente, a um ashram para ter liberdade (…) Vai-se lá para ser confortado, viver uma vida fechada na disciplina e na crença, para adorar e ser também adorado; e a tudo isso se dá o nome de “busca da verdade”. Não podem oferecer a liberdade, porque esta seria a sua própria ruína. A liberdade não pode ser encontrada em retiro algum, em nenhum sistema de crença (…) A imitação, como meio de alcançar a liberdade, é a própria negação da liberdade (…) (Idem, pág. 116)
“Atualmente, evito todos os ashrams (…) Fui a eles em busca de paz e o que me deram foi compulsão, doutrinas autoritárias e vãs promessas. (…) Como somos cegos! (…) Num desses lugares – onde o instrutor está subindo em reputação e popularidade – quando eu disse que vinha ver-vos, ergueram as mãos para o céu e alguns tinham lágrimas nos olhos. Mas esse foi o último capítulo! Vim aqui para falar a respeito de uma coisa (…) Trata-se do seguinte: a dor da solidão excede as minhas forças; não me refiro à solidão física, que esta é agradável, mas à profunda dor interior de estar sozinha. Que devo fazer (…)? Como devo considerar esse vazio? (Reflexões sobre a Vida, pág. 116-117)
Quando perguntais pelo caminho, vos tornais seguidora de um guia. Porque existe essa dor da solidão, desejais ajuda, e o próprio desejo de ser conduzido por um guia abre a porta à compulsão, à imitação e ao temor. (…) Enquanto não houver compreensão completa da dor da solidão, não pode haver paz nem descanso, mas só uma luta interminável; (…) Esse medo está em relação somente com o passado, e não com o que é. O que é tem de ser descoberto (…) pelo experimentar. Para compreendê-lo, não devemos chegar-nos a ele livremente, despojados de todos os conhecimentos antigos a seu respeito? Não devemos fazê-lo com uma mente nova, não obscurecida pelas lembranças (…) reações “habituais”? (…) (Idem, pág. 117)
Para compreender o novo, não deve a mente, com todas as suas conclusões e precauções, deixar de funcionar? Não deve ela estar tranqüila, sem procurar nenhuma via de fuga dessa solidão, (…)? Não é necessário observar o movimento da solidão, (…) do desespero e da esperança? Não é justamente esse movimento que leva à solidão e ao medo que ela faz? A própria atividade da mente não é um processo de isolamento, de resistência? (…) O problema, por conseguinte, não é a dor da solidão, mas a própria mente, que projeta o problema. (Reflexões sobre a Vida, pág. 117)
(…) A compreensão da mente é o começo da libertação. A liberdade não é algo que está no futuro, ela é o primeiro passo. A atividade da mente só pode ser compreendida no processo de reação a qualquer espécie de estímulo. (…) A acumulação, sob qualquer forma, de conhecimento, de experiência, de crença, impede a libertação; e é só quando existe liberdade, que pode existir a Verdade. (Idem, pág. 117-118)
Pensais achar a felicidade retirando-vos da vida, isolando-vos? Renunciar com o fim de achar, não é renúncia; (…) A renúncia que tem um fim em vista é apenas rendição ao desejo de um novo ganho. Mas, pode-se achar a felicidade no isolamento, na segregação? A vida não é associação, contato, comunhão? Podemos afastar-nos de uma associação, para buscarmos felicidade noutra, mas não podemos fugir completamente de todo e qualquer contato. (…) (Reflexões sobre a Vida, pág. 87)
Por conseguinte, compreender o problema significa compreender a nós mesmos; (…) Assim, a solução do problema não pode ser encontrada no isolamento, em recolher-nos a um mosteiro, uma montanha ou uma caverna, mas, sim, na perfeita compreensão do problema de nós mesmos em relação com outros. Não se pode viver em isolamento; ser é estar em relação. (…) A compreensão de nós mesmos, que é o autoconhecimento, é o começo da sabedoria; (…) não pode ser procurado em livro algum (…) (Nosso Único Problema, pág. 9)
Assim, essa compreensão de si mesmo não significa que devamos retirar-nos da vida, ingressando num mosteiro, ou recolhendo-nos em alguma espécie de meditação religiosa. Pelo contrário, (…) é compreender as nossas relações com as coisas, as pessoas, as idéias. (Viver sem Confusão, pág. 53)