A experiência pode condicionar ainda mais o pensamento ou libertá-lo das limitações. Experimentamos de conformidade com o nosso condicionamento, mas esse condicionamento pode ser rompido, o que pode dar (…) uma liberação integral. (Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 15)
A moralidade, que deveria ser espontânea, tem sido feita para seguir um padrão, um princípio que se torna certo ou errado segundo as crenças que o indivíduo mantém. Para alterar esse padrão, alguns recorrem à violência, esperando criar um padrão “verdadeiro”; outros se voltam para (…) remodelá-lo. Ambos esperam criar a moralidade “reta” através da força e da conformidade. Mas tal constrangimento não é mais moralidade. (Idem, pág. 15)
O mais que podemos perceber é o caráter, modificado, controlado e moldado pelo ambiente. Só poderemos descobrir se há algo mais, quando forem compreendidas e rompidas as influências ambientes e os respectivos efeitos. A mente limitada, isto é, a mente condicionada pelo ambiente, é incapaz de descobrir a “qualidade adicional”. (…) (O que te fará Feliz?, pág. 58)
Vemos muito bem o que está acontecendo pelo mundo. A “qualidade adicional” nunca pode ser controlada ou modificada, nem pode ser colhida na rede do tempo; mas o caráter pode ser modificado. Nasceis em determinado país; nele existem certas influências, certos moldes de caráter, certos fatores que vos moldam a mente; e noutro país a moldagem se processa de modo diferente. (…) (Idem, pág. 58-59)
Por certo, esse caráter não é a qualidade adicional; por conseguinte, para compreender a qualidade adicional, é preciso que desapareça o caráter, ou condicionamento. Mas isso não significa que devais tornar-vos vagos ou inconsistentes; o mais que podemos fazer é tornar o caráter fluido, não estático, capaz de imediata adaptação. (…) (O que te fará Feliz?, pág. 59)
Vemos, pois, que o caráter pode ser modificado, alterado, moldado, e isso se está processando, consciente ou inconscientemente, a todo momento. Mas, a qualidade adicional é o que procurais. Não podeis “crer” nela (…) porquanto crer é um processo de pensamento. O pensamento não poderá nunca encontrar o que está além, aquilo que representa a qualidade adicional. (…) (Idem, pág. 59)
(…) Pode esse homem que tem medo, que não é inteligente, ter caráter? – sendo caráter algo que é original e não simples repetir de prescrições tradicionais. “Caráter” é respeitabilidade? (…) O pecador está mais próximo de Deus do que o homem respeitável, porque o homem respeitável está fechado pela hipocrisia. (Novos Roteiros em Educação, pág. 152-153)
Quando estiverdes enamorados da Vida e puserdes esse amor acima de todas as coisas, e julgardes por esse amor, e não pelo vosso temor, desaparecerá então essa estagnação que chamais moral. O que ocupará vosso pensamento será, então, o quanto estais enamorados da Vida, e não quanto mal e quanto temor existe no vosso coração. Ou, melhor, vós julgareis pelo vosso amor, e não pelo vosso temor. Eu sei que vos proíbem de julgar. (…)
E, para julgar segundo a Verdade, é preciso que estejais apaixonados pela Vida; mas, então, nunca julgareis, em circunstância alguma. Porque não estais enamorados da vida, vós julgais pelos vossos padrões de moralidade; pelo bem e pelo mal, pelo temor de céu e inferno. (…) (Que o Entendimento seja Lei, pág. 12)
Pergunta: Qual o verdadeiro valor da igualdade? É a igualdade um fato ou uma idéia?
Krishnamurti: Para o idealista, é uma idéia; para o homem que observa, um fato. Existe a desigualdade: vós sois (…) mais inteligente (…); tendes capacidades maiores; (…) pintais (…); tendes riquezas (…). Há também a desigualdade de função. (…) (As Ilusões da Mente, pág. 47)
Existe não só a desigualdade psicológica, mas também a evidente desigualdade exterior. (…) Entretanto, se se compreender que (…) é necessário estar cada um completamente livre de todo e qualquer conceito autoritário (…), terá então a desigualdade um significado de todo diferente. (Idem, pág. 48)
Se o indivíduo for capaz de apagar completamente a desigualdade psicológica, que em si mesmo criou mediante sua condição pessoal, sua capacidade, suas idéias, desejos, ambições; se houver a completa eliminação dessa luta psicológica para ser alguma coisa, (…) haverá então a possibilidade de se conhecer o amor. Mas, enquanto estou lutando (…) psicologicamente, estou usando a função como meio de me tornar alguém; enquanto houver um vir-a-ser do “eu”, sempre existirá desigualdade. (…) (As Ilusões da Mente, pág. 48)
Só quando, interiormente, sois “como o nada”, por serdes um ente livre, encontra-se a possibilidade de não se fazer uso da desigualdade para engrandecimento próprio, para implantar a ordem e a paz. Mas “ser como nada” não é uma simples frase; temos de sê-lo completamente, interiormente. (…) (Idem, pág. 49)
(…) A igualdade de posses não é a saída pela qual nos livraremos das tribulações e da estupidez que, em escala tão vasta, nos circundam e envolvem. (…) O espírito de exclusividade (…) não pode ser abolido mediante reforma exterior, (…) compulsão ou disciplinamento. É, todavia, esse espírito de exclusividade que gera desigualdade e dissenção. A tendência aquisitiva não lança o homem contra o homem? Pode implantar-se a igualdade e a compaixão por qualquer meio concebido pela mente? Não é necessário procurá-las em outra parte? Não cessa a exclusividade, apenas, quando reina o Amor (…) a Verdade? (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 167-168)
Pergunta: Por que será que neste país parecemos sentir tão pouco respeito pelos outros?
Krishnamurti: (…) Na Índia, as mesmas pessoas que nos cumprimentam com profundas inclinações e nos oferendam grinaldas e flores, maltratam os vizinhos, os criados e os animais. Isso é respeito? Aqui, como na Europa, há respeito ao homem possuidor de automóvel caro e palacete; há respeito para com os considerados superiores e desprezo aos demais. (…) (Percepção Criadora, pág. 74)
Todos queremos sentir-nos iguais aos que estão mais alto. (…) Queremos ombrear com os famosos, os ricos, os poderosos. Quanto mais industrializada uma civilização, tanto mais prevalece a idéia de que os pobres podem tornar-se ricos, (…) chegar a presidente, (…); e, acredito, se pudermos compreender o problema da igualdade, estaremos aptos a compreender a natureza do respeito. (Idem, pág. 74)
Ora, existe igualdade? Embora todos os governos (…) salientem que todos somos iguais, somos de fato iguais? Tendes uma cabeça melhor, uma capacidade maior, sois mais prendado (…); sabeis pintar e eu não sei. (…) Poderá haver igualdade de oportunidade: nós dois (…) comprarmos um carro; isso, porém, é igualdade? (Percepção Criadora, pág. 74-75)
O problema, por certo, não é de como promover a igualdade econômica, mas sim descobrir se a mente pode ficar livre dessa noção de superior e inferior, dessa tendência a venerar o homem que tem muito e desprezar o que tem pouco. (…) Acatamos o patrão, o homem que pode proporcionar-nos (…) uma missão política; ou respeitamos o sacerdote, outra espécie de patrão (…) espiritual. Estamos, pois, sempre respeitando e desprezando. (Idem, pág. 75)
Observai bem a vossa mente, e descobrireis não existir respeito enquanto prevalece o sentimento de superioridade e inferioridade. E o que quer que façam os governos com o fim de igualar-nos, nunca haverá igualdade, pois todos nós temos capacidades diversas, diferentes aptidões; mas o que pode haver é um sentimento muito diferente, um sentimento de amor, talvez, no qual não existe desprezo, nem julgamento, nem noção de superior e inferior. (Percepção Criadora, pág. 75)
O mais importante não é saber por que umas pessoas têm respeito e outras não, mas sim, o despertar aquele sentimento, (…) afeição, amor (…) em que cessa totalmente a noção de “alto” e “baixo”. Mas, no momento em que a mente interfere (…), surge o conflito entre o que deveria ser e o que é; introduzimos então ideais e a imitação desses ideais, e nunca descobrimos por nós mesmos aquele estado em que existe o desejo de ser mais, e não existe, por conseguinte, o desprezo. (Idem, pág. 76)
O problema da desigualdade é mais fundamental. Há desigualdade de capacidade, de pensamento, de ação – desigualdade entre o gênio e o néscio, (…) o homem livre e o que está preso a uma rotina. Já se tem tentado quebrar essa desigualdade, com revoluções de toda espécie. (…) O problema é como transcender a noção da desigualdade, do inferior e do superior. Isso é espiritualidade verdadeira. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 75-76)
A desigualdade só pode ser transcendida quando compreendemos a nossa atitude perante ela. Enquanto resistirmos ao feio e nos identificarmos com o belo, será inevitável toda essa miséria. Mas se considerarmos a desigualdade com uma atitude isenta de condenação, de identificação ou de julgamento, então nossa reação é de todo diferente. Experimentai-o e vereis como se opera uma extraordinária transformação em vossa vida. A compreensão do que é traz o contentamento (…) (Idem, pág. 77)
(…) Senhores, que se entende por “sociedade sem classes”? Enquanto posição e função andarem emparelhadas, isso não deixará de criar uma sociedade com distinções de classe. (…) Por esse motivo, assim que se começa a criar uma sociedade sem classes, o comissário logo se torna importante, pois sua função lhe confere posição, o que significa certos privilégios, distinções, autoridade. (Visão da Realidade, pág. 70-71)
Que se entende por igualdade? Sei que todos dizem ser necessário haver igualdade; mas pode, em algum tempo, haver igualdade? Existe igualdade de função? (…) Se o governador despreza o cozinheiro, (…) como pode haver igualdade? Tendes (…) uma cabeça melhor do que eu, conheceis mais gente (…), pintais, escreveis poemas, sois artista, cientista (…) Como pode haver igualdade? (Idem, pág. 71)
Por certo, está perdida a chama criadora quando a posição se torna importante, ou quando se impõe o padrão da igualdade, que não passa de teoria. (…) Senhor, acredito que a igualdade nasce quando existe amor nos nossos corações, quando o coração está vazio das coisas da mente. Quando existe amor, não há o senso de grandes e pequenos. (…) Por não amarmos, esquecemos de todo a significação da igualdade. (Visão da Realidade, pág. 72)
Mas o amor não é coisa que se possa fazer por encomenda, pelas medidas de Marx. (…) Nasce quando compreendemos as atividades da nossa mente. Com o autoconhecimento, vem o amor, não o amor dos sentidos (…), mas o simples sentimento de amar, sentimento em que há bondade, respeito, e nunca há medo. (Idem, pág. 72)
(…) Na essência, nós somos iguais, mas, no mundo da forma, somos diferentes; e, de acordo com essas diferenças, varia a nossa compreensão da Verdade. Quanto maiores fordes, (…) mais houverdes sofrido, (…) mais houverdes gozado, mais próximos estareis da unidade com essa Essência. Essa é a única Lei (…) que vos pode guiar para o Reino da Felicidade. Só o reconhecimento de uma mesma Essência nas coisas, todas diferentes nas formas exteriores, e o viver à luz desse conhecimento, nos podem trazer felicidade duradoura. (O Reino da Felicidade, pág. 65)