- Bem e Mal, Luz e Trevas, Amor e Ódio, Céu e Inferno
O bem não é o oposto do mal. Se o bem nasce do mal, então o bem contém o mal. Consideremo-los mui cuidadosamente, (…) o que realmente ocorre externa e internamente. Quando são invejosos, vivam com esse fato, observem-no. (…) (La Llama de la Atención, pág. 62)
(…) Ser bom quer dizer também ser completamente honesto, o que significa que a pessoa se comporta, não de acordo com alguma moda ou tradição, senão com um sentimento de grande integridade – integridade que possui sua própria inteligência. Ser bom significa também ser total, não fragmentado. (Idem, pág. 63)
(…) Pergunto-me que é que você quer significar. Está o arbusto com seus muitos espinhos – chama você a isso de mal? É para você o mal uma serpente venenosa? Nenhum animal selvagem é mal – nem o tubarão nem o tigre. Que é então o (…) mal? (…) Algo que pode ocasionar uma tremenda aflição, um grande sofrimento? Algo capaz de destruir ou impedir a luz da compreensão? Chamaria você a guerra de mal? (…) (Tradición y Revolución, pág. 25)
(…) A resistência ao mal reforça o mal. Por isso, se a mente vive na bondade, não há resistência e o mal não pode alcançá-la. De modo que não há contenção ao mal. (Idem, pág.30)
Mas o desconhecido é a Realidade. O céu é um estado de desconhecimento; e o inferno é o estado de conhecimento. E nós estamos presos entre as duas coisas: o conhecer e o desconhecer. E como toda a nossa vida é um estado de conhecimento, tememos sempre aquilo que é o desconhecido. Deus, o Real, o céu, é o desconhecido. (…) (Poder e Realização, pág. 76)
(…) Só quando podemos ver toda a vastidão, a imensidão, a magnificência do céu, há a possibilidade de paz – e não quando simplesmente andamos no encalço da paz, o que representa atividade do pensamento, da mente. (…) (Novos Roteiros em Educação, pág. 169)
Perg.: Que é bem, e que é mal?
Krishnamurti: Por que pensamos sempre em termos de dualidade, (…) do oposto? Por que somos tão condicionados pelo pensamento (…)? (…) Por certo, se pudermos compreender o processo do desejo, compreenderemos esse problema (…) (Viver sem Confusão, pág. 61-62)
A divisão de bem e mal é uma contradição que existe em nós. Somos apegados ao bem, porque é mais agradável; e estamos condicionados a evitar o mal, porque é doloroso. Ora, se pudermos compreender o processo do desejo, (…) talvez sejamos capazes de ficar livres do conflito dos opostos. (Idem, pág. 62)
Ora bem, se podemos compreender o que é a virtude, o que significa que compreendemos o desejo, estamos libertos dos opostos; (…) Enquanto condenarmos o desejo, haverá o conflito dos opostos, do bem e do mal (…); enquanto resistirmos ao desejo, haverá o conflito da dualidade. (…) (Viver sem Confusão, pág. 63)
(…) Mas, se observarmos o desejo tal como é, sem nenhum critério de comparação, condenação, ou justificação, veremos então que o desejo se extinguirá. (Idem, pág. 65)
Por conseguinte, o começo da virtude é a compreensão do desejo. Manter-se no conflito dos opostos só significa fortalecer o desejo; e a maioria de nós não deseja entender o desejo em sua totalidade; gostamos do conflito dos opostos. Ao conflito dos opostos chamamos virtude, espiritualização, mas isso não passa de continuidade do “eu”; (…) (Idem, pág. 63)
Por que existe esse conflito no psicológico? Desde a antiguidade, e tanto social como religiosamente, tem existido uma divisão entre o bem e o mal. Existe realmente essa divisão? Ou só existe “o que é”, sem seu oposto? Suponhamos que há ira; esse é o fato, “o que é”, porém “eu não ficarei irado” é uma idéia, não é um fato. (La Totalidad de la Vida, pág. 204)
Interlocutor: Não compreendo bem como a mente se dividiu em amor e ódio.
Krishnamurti: Há o bem e o mal, a luz e a treva. A luz e a treva não podem coexistir. Uma destrói a outra. (Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 65)
Se a luz é luz, então a treva, o mal, deixa de existir. O esforço é desnecessário, ele é então inexistente. Mas nós estamos em um estado de esforço contínuo, porque o que para nós é luz, não é luz (…)
Quando a vontade se destrói, espontaneamente, há então uma verdade que está além de todo esforço. O esforço é violência; o amor e a violência não podem coexistir. (Idem, pág. 65-66)
O conflito (…) não é uma luta entre o bem e o mal, entre o eu e o não-eu. A luta está em nossa própria dualidade auto-criada, entre os nossos vários desejos autoprotetores. Não pode haver conflito entre a luz e a treva; onde há luz, não há treva. (…) (Idem, pág. 66)
Isso são meras idéias, opiniões e, portanto, sem validade. (…) Onde há luz, não há treva. A escuridão não pode encerrar a luz; se o faz, não há luz. Onde existe ciúme, não existe amor. (…) O amor é chama sem fumo. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 130)
É considerado inteligente estar no conflito dos opostos: a luta entre o bem e o mal (…) ela é julgada necessária para a evolução do homem; o conflito entre Deus e o Demônio é admitido como um processo inevitável. Mas esse conflito entre os opostos conduz à Realidade? Não conduz, antes, à ignorância e à ilusão? Pode o mal ser transcendido pelo seu oposto? Não deve o pensamento transcender o conflito de ambos? (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 37-38)
Esse conflito entre opostos não conduz à virtude, à compreensão (…) Talvez esteja o criminoso, o pecador, mais próximo da compreensão do que o homem que alardeia virtude (…) (Idem, pág. 38)
O criminoso poderia vir a reconhecer o seu crime, havendo, portanto, esperança para ele, mas o indivíduo que se presume virtuoso, no conflito dos opostos, está simplesmente perdido na sua mesquinha ambição de vir a ser (…) (Idem, pág. 38)
Pergunta: Acreditais haver o mal no mundo?
Resposta: (…) Não estais consciente dele? Não são evidentes suas conseqüências (…)? Quem o criou senão cada um de nós? (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 62)
Assim como criamos o bem, também criamos o mal, este, porém, em grande escala. O bem e o mal fazem parte de nós e de nós igualmente independem. Ao pensar e sentir com mesquinhez e inveja, cobiça e ódio, aumentamos o mal já existente, que então se volta contra nós e nos fere. (…) (Idem, pág. 62)
Os opostos não se podem fundir, eles devem ser ultrapassados pela dissolução do desejo. É preciso meditar e sentir plenamente cada um dos opostos, (…) porquanto será assim que despertaremos uma nova compreensão não resultante do anseio ou do tempo. (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 63)
O mal que há no mundo, assim como o bem nele existente, é fruto de nossa contribuição (…) A sabedoria está no perceber a causa do mal e do bem, pois, compreendendo-a, desembaraçaremos dela o pensar e o sentir. (Idem, pág. 63)
Pergunta: É óbvio que uma pessoa deve conhecer o mal, para poder conhecer o bem. Isso implica (…) evolução?
Krishnamurti: Precisamos conhecer a embriaguez para conhecer a sobriedade? (…) Precisais passar por guerras (…) para saber o que é a paz? Ora, essa é uma maneira de pensar totalmente errônea. (Claridade na Ação, pág. 141)
Mas há progresso psicológico, evolução psicológica? Pelo processo de evolução através do tempo, pode o “eu”, centro do mal, tornar-se nobre, bom? Não pode, está visto. O que é mau – o “eu” psicológico – há de permanecer sempre mau. Mas não queremos olhar esse fato de frente. Pensamos que, no processo do tempo, no crescer e transformar-se, o “eu” se tornará, no fim, realidade.(…) (Idem, pág. 142)
(…) Em tudo isso, o mal é a total falta de autoconhecimento. Temos medo de nos conhecermos porque nos dividimos em fragmentos bons e maus, ignóbeis e nobres, puros e impuros. O “bom” está sempre a julgar o “mau”, e esses fragmentos vivem em guerra uns com os outros. (…) Essa fragmentação da vida em “alto” e “baixo”, “nobre” e “ignóbil”, “Deus” e “Demônio”, gera conflito e dor. (A Luz que não se Apaga, pág. 98-99)
Tendes toda a razão (…) Quando cessa o ódio, nasce o amor. O ódio só pode cessar quando lhe prestais toda a atenção, quando estais aprendendo, e não acumulando conhecimentos a seu respeito. (…) (A Luz que não se Apaga, pág. 96)
Pergunta: Qual deveria ser minha atitude para com a violência?
Krishnamurti: Cessa a violência pela violência, o ódio pelo ódio?
O ódio gera ódio, má vontade gera má vontade. Muito freqüentemente, em nossas relações mútuas, individuais ou sociais, o espírito de represália produz somente mais violência e mais antagonismo. (Palestras em Ojai e Saróbia, 1940, pág. 74-75)
O espírito de vingança é predominante no mundo. Sentimo-nos poderosos sendo violentos. (…) O mundo ao nosso redor está nessa condição febril de ódio e violência, por causa da sua força astuta e deliberada, e, a menos que nós, nós próprios, nos libertemos do ódio, somos facilmente arrastados pela brutal correnteza. (…) Compreendendo a causa do ódio, nasce o perdão, e a bondade. O amor e a compreensão surgem pelo apercebimento constante. (Idem, pág. 75-76)
O ódio não é dissolvido pela experiência, nem por nenhum acúmulo de virtude, nem pode ser dominado pela prática do amor. Tudo isso apenas encobre o medo, o ódio. Apercebei-vos disso, e então haverá uma tremenda transformação em vossa vida. (Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 58)
(…) O ódio não pode ser destruído pelo ódio, embora muitos dentre vós gostem de ocultar o ódio sob palavras que soem agradavelmente. Não podeis matar para ter paz e ordem; para terdes paz, precisais criar paz em vosso íntimo e nas relações mútuas com outrem, que são a sociedade. (Palestras em Ojai e Saróbia, 1940, pág. 29)
Pergunta: Não pensa o senhor haver na vida um princípio de destruição, uma vontade cega, (…) independente do homem, sempre latente, pronta para entrar em ação (…)?
Krishnamurti: Sabemos, com certeza, da existência em nós dessas duas faculdades opostas: a de destruir e a de criar, de ser bom e de ser maléfico. (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 111)
Que é que nos faz destruir? Que é que nos torna coléricos, ignorantes, brutais? Que é que nos impele a matar, a buscar vingança, a enganar? É uma vontade cega, qualquer coisa sobre a qual não temos domínio nenhum – chamemo-la “demônio” – uma força do mal independente, ou uma ignorância incontrolável? (…) (Idem, pág. 111)
(…) Podemos ainda dizer existir em nós, em estado potencial, a maldade, poder em si mesmo destruidor; que, embora possamos ser afetuosos, generosos, compassivos, esse poder (…) impessoal busca uma erupção ocasional. (…) (Idem, pág. 112)
Será exata tal conclusão? Não podemos, pela compreensão de nós próprios, perceber as causas interiores que nos levam a criar e a destruir? Se primeiro clarearmos a confusão existente na camada superficial da mente consciente, as camadas mais profundas da consciência, com seu conteúdo, poderão nela projetar-se (…) (Idem, pág. 112-113)
Ocorre o esclarecimento da camada superficial quando o pensamento-sentimento já não se identifica com o problema, mas permanece apartado dele, e, por conseqüência, em condições de observar sem comparação ou julgamento. (…) (Idem, pág. 113)
Um dos nossos problemas fundamentais alude à escolha entre “o bom” e “o mau”. Escolha significa conflito, e o conflito, sem dúvida, é um elemento destrutivo, desperdício de energia. Conhecemos esse conflito existente em nossa vida de cada dia, essa luta incessante para conservar “o bom” e evitar “o mau”; (…) parece-me não só dissipação de energia esse conflito, mas também destrói o impulso criador. (…) (Visão da Realidade, pág. 170)
Vemos, pois, que o conflito entre “o bom” e “o mau” é destrutivo, causador de degeneração, como o são todos os conflitos; e é possível não termos mais o conflito entre “o bom” e “o mau”, e conservarmos sempre “o bom”, sem intromissão do elemento escolha? (Visão da Realidade, pág. 171)
Ora, é possível ação sem conflito de espécie alguma? Sem dúvida, tal ação só é possível quando amamos aquilo que fazemos; (…) Não sei se já notastes que, quando gostais de fazer certa coisa, não há conflito nenhum, a ação está completamente livre de elementos contraditórios; (…) (Visão da Realidade, pág. 172)
É possível, pois, amarmos “o bom” e não termos esse incessante conflito entre “o bom” e “o mau”? Notai: Não há método nenhum para isso. (…) O mais importante é dar à mente a possibilidade de estar suficientemente quieta, para ser capaz de receber o que é verdadeiro. (…) (Idem, pág. 173)
O desejo é energia, e quando o consideramos como coisa má, que é necessário reprimir, controlar, moldar de acordo com as sanções da religião e da sociedade, o desejo se torna destrutivo – o que não significa devamos ceder a toda e qualquer forma de desejo. (…) Na energia criadora está contida uma vida repleta do “bom”, uma vida de onde não está ausente o eterno; tal vida, porém, só é possível quando compreendemos, por inteiro, o processo do conflito. (Visão da Realidade, pág. 173)
Existe conflito enquanto existe o “movimento para fora”, do desejo, que, encontrando frustração, se recolhe. (…) “O bom” só pode tornar-se existente quando a mente está de fato muito tranqüila, e só pode vir essa tranqüilidade havendo abundância de energia. (Idem, pág. 174)
Deixemos as escrituras fora desta discussão; porque, quando começais a mencionar as escrituras em apoio de vossas opiniões, estai certo de que o Demônio também poderá encontrar textos, na escritura, para apoiar o ponto de vista inteiramente oposto! (Palestras em Adyar, Índia, 1933-1934, pág. 40)
As religiões organizadas (…) Talvez vos lembreis da história acerca do Diabo, que andava a passear com um amigo. Viram um homem à sua frente inclinar-se e apanhar alguma coisa no chão. Quando a apanhou e a olhou, tinha no rosto uma grande alegria. O amigo do Diabo perguntou a este o que é que o homem apanhara, e o Diabo respondeu: “Foi a verdade”. O amigo disse: “Isto é muito mau para ti, não é?” E o Diabo respondeu: “De modo nenhum, vou ajudá-lo a organizá-la (…)” (O Mundo Somos Nós, pág. 85)