- Auto-análise, Psicanálise; Autoridade, Ineficácia
O extraordinário estado que a verdade revela – a imensidão da Realidade – não vos pode ser dado por outrem. Não há autoridade, não há guia. Tendes de descobri-lo por vós mesmo e dar, assim, algum sentido a esse caos que chamamos de “vida”. É uma jornada que deveis fazer completamente só (…) Só podeis iniciar essa jornada depois de perceberdes claramente a verdade de que tendes de viajar completamente só – e percebê-lo é estar só; (…) por verdes o fato de que é absolutamente necessário caminhar só. (A Mente sem Medo 1ª ed., pág. 14)
Para aprenderdes a respeito de vós mesmo, para conhecer-vos, deveis observar-vos num “estado de novo”, de liberdade. Nada podeis aprender sobre vós mesmo pela mera aplicação de conhecimentos, isto é, observando-vos com os conhecimentos adquiridos de algum instrutor, de algum livro ou de vossa própria experiência. (…) Uma vez compreendida, percebida a sua verdade, já estais liberto de pesado fardo; deixastes de contar com os outros para vos dizerem o que deveis fazer. Já está então em começo a liberdade, com seu inefável perfume! (Idem, pág. 14)
Há, de certo, diferença entre percepção e análise. A análise poderá ajudar-vos a ajustar-vos à sociedade, a remover algumas de vossas peculiaridades, de vossas idiossincrasias, de vossas neuroses; (…) Estamos falando de coisa muito mais fundamental do que o mero ajustamento a uma sociedade corrompida. Análise supõe analista e coisa analisada. O analista é o censor, o juiz que examina, que interpreta, que condena ou aprova o que está vendo, e, por conseguinte, cria mais conflito. (…) (Experimente um Novo Caminho, pág. 26)
Para mim, a auto-análise frustra a ação, destrói a plenitude da vida. Talvez não concordeis com isso, mas, por favor, ouvi o que tenho a dizer (…) Digo que esse contínuo processo de auto-análise, que é autodisciplina, constantemente põe limitação ao fluxo livre da vida, que é ação. Pois a autodisciplina se baseia na idéia do conseguimento, não na idéia da plenitude da ação. Vedes a distinção? Numa, há uma série de consecuções, e, portanto, uma finalidade, enquanto, na outra, a ação é oriunda do discernimento, e tal ação é harmoniosa e, por isso, infinita. (…)(Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 39-40)
Ora, ninguém pode compreender a si próprio mediante auto-exame, introspecção, análise. (…) A mente, de modo nenhum, pode compreender a si própria por meio de análise, porque, na análise, há separação entre o analista e a coisa analisada, e, por conseguinte, conflito crescente e contínuo. Toda análise, todo esforço de sondagem, indagação, pesquisa, parte do centro, já condicionado, carregado das acumulações do tempo, que é o conhecido. Por mais que tente penetrar o inconsciente, o analista faz sempre parte do “conhecido”. (Experimente um Novo Caminho, pág. 42)
(…) Portanto, senhor, eu quero me entender. Não sei o que sou; realmente não sei. Devo descobrir. (…) Devo aprender sobre mim mesmo, não de acordo com o que os outros dizem, os peritos, os psicólogos, os analistas, os freudianos, e os junguianos, e todos os demais. (…) Por favor, veja a importância disto. Não de acordo com profissionais; eles podem estar errados ou certos. (…) (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 112)
Como sabeis, os próprios discípulos de Freud e de Jung, e os analistas, estão começando a modificar suas idéias. Começam a achar que não é necessário levar meses e anos a analisar um indivíduo (…) Isso custa muito dinheiro; só os ricos podem fazer tais despesas. Por isso, andam à procura de novos métodos. Em vez de fazerem o paciente “tagarelar”, dia a dia, mês a mês, alguns deles estão experimentando drogas, agentes químicos, secundados por um método de acesso direto, pessoal. (…) (O Passo Decisivo, pág. 72-73)
(…) No trabalho de análise, a menos que o analista seja muito cauteloso, observando minuciosamente e nunca deformando o que observa, está arriscado a deixar passar ou a interpretar falsamente alguma coisa, e o exame subseqüente acentuará mais ainda o erro. Prestai atenção a isso e vereis que a análise, a “retalhação”, não é a maneira correta de proceder. Tampouco o é o controlar, o fugir. (Idem, pág. 73)
De que maneira podem ser trazidos à luz os temores ocultos? Podemos conhecer os temores conscientes (…); mas há os temores ocultos, talvez muito mais importantes. (…) Podem eles ser revelados pela análise, pela investigação da causa? Pode a análise libertar a mente do medo, não de um dado temor neurótico, mas da estrutura do medo? Na análise está implicado não apenas o tempo, mas também o analista; e ela exige muitos e muitos dias, anos, talvez a vida inteira; (…) (Fora da Violência, pág. 59)
(…) Se fôssemos indivíduos neuróticos (e talvez a maioria de nós seja um pouco desequilibrada), um pouquinho de análise poderia ser de alguma utilidade, mas o descobrimento da causa, a análise de um fato, não nos liberta dele. No descobrir o fato e dar-lhe toda a atenção, não há análise, nem há intervalo de tempo para examinar, investigar a sua causa. Quando aplicamos nossa atenção, total e completamente, e, por nós mesmos, aprendemos ou descobrimos “o que é”, ocorre em nós uma extraordinária revolução. (…) Na atenção, não há pensamento; não há tempo; não há observador e objeto observado. (…) (O Mistério da Compreensão, pág. 64)
Pergunta: É hoje um fato definitivamente estabelecido que muitas de nossas doenças são de natureza psicossomática, causadas por profundas frustrações e conflitos interiores de que muitas vezes não estamos cônscios. Devemos agora correr para os psiquiatras ou há um caminho pelo qual o homem pode libertar-se de sua agitação interior? (Realização sem Esforço, pág. 29-30)
Krishnamurti: Isso suscita a pergunta: Qual a posição dos psicanalistas? (…) A doença é produzida por nossas perturbações emocionais (…)? Quase todos estamos confusos, agitados, mesmo os mais prósperos e, como não sabemos de que maneira atender às perturbações, elas reagem inevitavelmente no nosso físico, produzindo doença. (…) E a questão fica sendo: Devemos correr para os psiquiatras para nos ajudarem a livrar-nos de nossos distúrbios e recuperar a saúde, ou é possível descobrirmos por nós mesmos como não nos deixarmos perturbar, (…) agitar por ansiedades e temores? (Idem, pág. 30)
Ora bem, podemos, vós e eu, libertar-nos de toda essa agitação e confusão? A confusão existe somente quando há o fato e mais aquilo que eu penso a respeito do fato: minha opinião relativa ao fato, minha desatenção ao fato, minha fuga ao fato, minha avaliação do fato, etc. Nossas opiniões, nossas crenças, nossos desejos, nossas ambições, são tão fortes, e tão grande o seu peso, que somos incapazes de olhar o fato. (Realização sem Esforço, pág. 30-31)
Podemos, então, individualmente, ficar cônscios de nossa confusão, nossa agitação, e “viver com ela”, compreendê-la, sem procurar livrar-nos dela, afastá-la, fugir dela? Enquanto ficarmos a (…) condená-la, fugir-lhe, essa própria condenação, (… ) fuga constitui o “processo” de confusão. (…) (Idem, pág. 32)
Que subentende o processo de auto-análise? Quando vos analisais, há divisão entre o observador e o objeto observado (…) E o observador está tão condicionado com aquilo que observa; há pois, conflito entre ambos, entre o analista e a coisa analisada. O analista está sujeito a interpretar erroneamente o que está examinando e, se resiste a dado hábito ou procura transformá-lo de acordo com suas idiossincrasias, etc., com isso só dará mais força ao hábito. Por conseguinte, a auto-análise não é, tampouco, o caminho que se deve seguir. Que fazer então? (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 163)
Tende presente (…) que estamos falando sobre como abrir o livro do inconsciente, para trazer à luz todo o seu conteúdo. A análise por parte do profissional não é a maneira correta de abri-lo (…) E, como já expliquei, a análise introspectiva também não é o caminho correto. (…) (Idem, pág. 163-164)
E que significa isso, senhor? Se já não estais enredado nessa falaciosa idéia da análise, só há então observação (…) Só há o estado de ver, sem estar traduzindo o que se vê. Então, vedes apenas. (Idem, pág. 164)
Portanto, digo, a auto-análise, a análise para descobrir a causa no passado, é falsa. Nunca a podeis descobrir pelo exame do que está morto, mas só do que está vivo; e o que está vivo sempre se acha no presente e não no passado. O que precisais fazer é defrontar o presente com pleno conhecimento. (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 121)
A auto-análise e o apercebimento são duas coisas diferentes; uma é mórbida, enquanto o apercebimento é alegre. A auto-análise ocorre depois que a ação passou; além dessa análise, a mente cria um padrão a que a futura ação é forçada a se conformar. Assim, surge uma rigidez de pensamento e ação. A auto-análise é a morte e o apercebimento é a vida. A auto-análise somente conduz à criação de modelo e à imitação, assim não há libertação do cativeiro e do malogro. (…) (Palestras em Ojai e Saróbia, 1940, pág. 147-148)
(…) O apercebimento está no momento da ação; se estamos apercebidos, entendemos compreensivamente, como um todo, a causa e o efeito da ação, o processo imitativo do medo, suas reações, etc. Esse apercebimento liberta o pensamento das causas e influências que o limitam e prendem, sem criar mais cativeiro, e assim o pensamento torna-se profundamente flexível, o que é ser imortal. A auto-análise ou a introspecção ocorrem antes ou depois da ação, preparando, assim, o futuro e limitando-o. Apercebimento é em constante processo de libertação. (Idem, pág. 148)
E há também a autocrítica. Criticar a si mesmo, condenar ou justificar a si mesmo, traz a compreensão de si mesmo? (…) A introspecção, que é uma forma de autocrítica, nos revela o “eu”? O que torna possível a revelação do “eu”? A constante atitude analítica, meticulosa, crítica, não concorre, naturalmente, para revelá-lo. O que traz a revelação do “eu”, em virtude do qual começamos a compreendê-lo, é o constante percebimento dele, sem condenação e sem identificação alguma. Tem de haver espontaneidade; não podeis estar constantemente a analisá-lo, a discipliná-lo, a moldá-lo. (…) (A Primeira e Última Liberdade, pág. 198)
Para ficar livre da contradição, precisa a pessoa estar cônscia do presente, sem escolha. (…) Assim, pois, o autoconhecimento é o começo da compreensão; (…) Conhecer o processo integral, a totalidade de nós mesmos, não requer a ajuda de nenhum especialista, nem de nenhuma autoridade. O seguimento da autoridade só gera o temor. Nenhum técnico, (…) especialista pode ensinar-vos a compreender o processo do “eu”. Cada um precisa estudá-lo por si mesmo. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 39)
(…) E, a meu ver, nenhum analista pode resolver esse problema. Poderá ajudar-vos temporariamente a acomodar-vos a certo padrão social, a que ele chama “existência normal”, mas o problema é muito mais profundo e ninguém, senão vós mesmos, pode resolvê-lo. Vós e eu fizemos esta sociedade; (…) e enquanto ficarmos meramente a procurar reformar o produto, sem compreensão da entidade que o produziu, teremos mais doenças, mais caos e mais delinqüência. A compreensão do “eu” produz sabedoria e ação correta. (Realização sem Esforço, pág. 52)
Antes de entrarmos nessa questão (…) A análise nada tem que ver com a observação, com o ver. Na análise, há sempre o analista e a coisa analisada. O analista é um fragmento dentre os muitos fragmentos de que somos compostos. Um fragmento assume a autoridade, como analista, e começa a analisar. Ora, que é que isso implica? (Fora da Violência, pág. 23)
O analista é o censor, a entidade que se presume dotada de saber e, por conseguinte, autorizada a analisar. A menos que ele analise de modo completo, exato, sem nenhuma deformação, sua análise não terá valor algum. (…) A análise não implica um só analista separado da coisa analisada, mas também o tempo. A pessoa tem de analisar gradualmente, peça por peça, toda a série de fragmentos de que é constituída, e isso leva anos. E, quando se faz uma análise, a mente deve estar perfeitamente clara e livre. (Idem, pág. 23)
Há, pois, várias coisas implicadas nesta questão: o analista – um fragmento que se separou dos outros fragmentos e diz: “Vou analisá-los”; e também o tempo – dia após dia, olhando, criticando, condenando, julgando, avaliando, lembrando-se. Implicado está também o drama dos sonhos. (…) (Fora da Violência, pág. 23-24)
Mas, quem é o analista? Uma parte de vós mesmos, uma parte de vossa mente que vai examinar as outras partes; é o produto das experiências, conhecimentos, avaliações do passado, é o centro de onde vai ser feita a análise. (…) Esse centro é medo, ansiedade, avidez, prazer, desespero, esperanças, dependência, ambição, comparação; é ele que nos faz pensar e agir. (…) Nesse centro há muitos fragmentos, um dos quais se torna o analista – um absurdo, porque o analista é a coisa analisada. (…) (Idem, pág. 24)
Devemos libertar-nos da idéia da análise, pois esta é inteiramente sem valor. Deveis perceber isso, não porque o orador o está dizendo; deveis ver a verdade sobre o processo da análise. Essa verdade trará compreensão; ela é a compreensão da falsidade da análise. Ao vermos o que é falso, podemos afastá-lo de nós completamente. (…) (Idem, pág. 24) Assim, se isso está realmente claro – isto é, que a totalidade não pode ser compreendida mediante fragmentação – operou-se, então, uma mudança (…) Pois bem. Temos de abeirar-nos da mente inconsciente de maneira negativa, pois não sabemos o que ela é. Sabemos o que outras pessoas têm dito a seu respeito e ocasionalmente temos conhecimento dela por meio de sugestões interiores, intuições. (…) (O Passo Decisivo, pág. 184)
(…) Durante o chamado “sono”, quando o cérebro se acha relativamente quieto, o inconsciente comunica certas coisas através de sonhos, de símbolos, e, depois, ao despertar, a mente consciente diz: “Sonhei e preciso interpretar os meus sonhos”. Por se achar muito ocupada durante o dia, a mente consciente só tem possibilidade de descobrir o conteúdo do inconsciente por meio dos sonhos. (Experimente um Novo Caminho, pág. 44)
Por essa razão, o analista atribui aos sonhos desmedida importância. Mas, vêde só as complicações daí decorrentes! Os sonhos requerem interpretação correta, e, para dar a correta interpretação, deve o analista conhecer o conjunto (background) de vossa consciência, todo ele, porque, do contrário, sua interpretação será falsa.
Essa interpretação poderá ser freudiana ou junguiana, ou refletir as opiniões de outra autoridade qualquer, mas não será correta; e isso é o que, em geral, acontece, visto que o analista não conhece todo o vosso background (todo o conjunto de vossa consciência), nem pode conhecê-lo. (…) (Idem, pág. 44)
Essa coisa que chamais de “inconsciente” é desconhecida – desconhecida, no sentido de que não estais familiarizado com ela, desconheceis o seu conteúdo. (…) Tendes tentado compreendê-lo com uma mente que foi exercitada para acumular conhecimentos, e com esses conhecimentos observar. Mas descobristes agora que não é dessa maneira – isto é, por meio da análise – que se pode sondar o inconsciente. (…) (Experimente um Novo Caminho, pág. 44)
(…) Isso podeis fazer em qualquer lugar – sentado num ônibus, no escritório, quando vos fala o patrão, quando falais com vossa mulher, (…) filhos, (…) vizinho, quando ledes o jornal. Com essa mente, pode ser observada cada reação do inconsciente; e, se o fizerdes intensamente – não apenas ocasionalmente (…) – se vos conservardes sobremodo vivo, vereis que não mais sonhareis. (…) (Experimente um Novo Caminho, pág. 45)
Assim, para desvelarmos o inconsciente, precisamos primeiramente ver com toda a clareza, por nós mesmos, esta verdade: que só com uma mente vazia temos possibilidade de observar uma coisa que desconhecemos. Foi-nos recomendado analisar, mas a análise não vos conduziu a parte alguma, a nada, nada; percebeis, pois, por vós mesmos, que a análise não é o verdadeiro caminho. (…) Esse estado, por certo, é o estado de negação; nele, a mente pode observar, porque não está então traduzindo, interpretando, julgando, porém apenas observando. (Idem, pág. 45)
Assim, para haver completa transformação na consciência, é necessário rejeitar a análise, a busca e não mais estar sujeito a nenhuma influência (…) A mente, percebendo o que é falso, rejeita completamente o falso, sem saber o que é verdadeiro. Se já sabeis o que é verdadeiro, nesse caso estais apenas trocando o que considerais falso pelo que imaginais verdadeiro. Não há renúncia se já se sabe o que se vai obter em troca. Só há renúncia quando abandonamos uma coisa sem saber o que irá acontecer. Esse estado de negação é completamente necessário. Acompanhai isso com atenção, porque, se chegastes até este ponto, podeis ver que nesse estado de negação se descobre o verdadeiro; porque negação é despejar da consciência o conhecido. (O Passo Decisivo, pág. 247)
A consciência, afinal, se baseia no conhecimento, na experiência, na herança racial, na memória, nas coisas que foram experimentadas. As experiências são sempre do passado, e estão operando no presente, sendo modificadas pelo presente e continuadas no futuro. Tudo isso é consciência, o vasto reservatório dos séculos. Ela tem sua utilidade tão só no viver mecânico. Seria absurdo rejeitar todos os conhecimentos científicos (…) Mas, para se produzir uma mutação na consciência, uma revolução em toda essa estrutura, há necessidade de um vazio completo. E esse vazio só se torna possível com o descobrimento, o real percebimento do que é falso. Pode-se então ver, se tiverdes chegado até aí, que o próprio vazio produz uma revolução completa na consciência: ela já se realizou. (Idem, pág. 247)
Eu vos garanto que todas as coisas nascem do vazio; todas as coisas novas procedem desse vasto, imensurável, insondável sentimento de vazio. Isso não é romantismo, não é nenhuma idéia, nem imagem, nem ilusão. Quando se rejeita completamente o falso, sem se saber o que é verdadeiro, ocorre uma mutação na consciência, uma revolução, uma transformação total. Talvez então já nem haja a consciência tal como a conhecemos, porém algo inteiramente diferente; essa consciência, esse estado pode viver neste mundo, porque não há rejeição do conhecimento mecânico. (…) (Idem, pág. 248)
Geralmente admitimos que o inconsciente existe e que ele é algo escondido, obscuro, desconhecido. Sem se compreender a totalidade desse inconsciente, arranhar meramente a superfície pelo exame analítico tem muito pouca significação, quer ele seja feito por profissionais, quer pela investigação pessoal. Temos, portanto, de penetrar não só na mente consciente, mas também na mente profunda, secreta, oculta, que nunca está exposta à luz da inteligência, (…) da investigação. (O Mundo Somos Nós, pág. 87)
Tudo isso – tanto o processo consciente como o inconsciente – é tempo psicológico: tempo como conhecimento, tempo como experiência, (…) de preencher-se, de “vir a ser”. A mente consciente é moldada pela inconsciente; e é muito difícil compreender os secretos motivos, intenções e compulsões do inconsciente, porque não somos capazes de conseguir acesso ao inconsciente pelo esforço consciente. É negativamente que devemos abeirar-nos dele, e não pelo processo positivo da análise. O analista está condicionado pelas suas lembranças; e seu método positivo (…) é muito pouco significativo. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 50-51)
(…) Penso que todo o processo de análise é errôneo. Um indivíduo se interessa por essa ação que se vai acumulando através de uma série de exames analíticos, de inferências analíticas em que está envolvido o tempo (…) É difícil analisar, examinar, com a mente consciente, as camadas ocultas. Por isso eu sinto que todo esse processo intelectual seja incorreto. Isso que digo não implica, de modo algum, falta de respeito. (Tradición y Revolución, pág. 159)
(…) Eu lhes digo que a análise não é o caminho para a compreensão. Dou-lhes as seqüências lógicas utilizando a razão. Essas são somente explicações. Por que não vêem vocês a verdade de que a análise não é o caminho? (Idem, pág. 160)
(…) Não são (os instrumentos) adequados. O processo de análise implica tempo e, portanto, tem que ser parcial. O parcial é produto do intelecto porque o intelecto é só uma parte da estrutura total. (Idem, pág. 161)
Vejo, pois, que a mera análise do inconsciente a nenhum parte conduz. Poderá ajudar-me a ser um pouco menos neurótico, um pouco mais amável com minha mulher, meu próximo – ou outra superficialidade semelhante; mas não é disso que estamos falando. Percebo que o processo analítico (…) não pode libertar o inconsciente; por conseguinte, rejeito completamente o processo analítico. (…) (A Mente sem Medo, 1ª ed., pág. 50)
A menos que a pessoa seja um tanto neurótica e desequilibrada, não considero muito importante examinar o inconsciente. É desperdício de tempo. Sei que o que estamos dizendo é condenado pelos especialistas porque se pode ganhar muito dinheiro com essa idéia (do inconsciente); (…) (A Essência da Maturidade, pág. 149)
(…) Que necessidade há de sonhos simbólicos, quando a cada minuto do dia o inconsciente vos está revelando as suas reações, descerrando o seu condicionamento, suas “memórias”, suas ansiedades – quando tudo está sendo revelado, ao mesmo tempo que estais observando? A mente é então semelhante a uma tela em branco, na qual o inconsciente projeta o seu retrato, de momento a momento; de modo que, quando dormis, a mente, o cérebro, repousa. (…) A mente, o cérebro, que, durante o sono, se acha em absoluto repouso, se renova. Tem a energia necessária para ir mais longe ainda (…) (Experimente um Novo Caminho, pág. 45-46)
Construímos muitos obstáculos que se tornaram abrigos onde nos refugiamos no momento da dor. Esses abrigos são apenas vias de fuga. (…) Mas, para descobrirmos esses abrigos, (…) falsos valores (…) que nos retêm e nos aprisionam, não devemos tentar analisar as ações que surgem desses abrigos. Para mim, a análise é a própria negação da ação completa (…) Não há entendimento na análise de uma experiência passada, pois ela está morta; há entendimento só na ação viva do presente. Por isso, a auto-análise é destrutiva. (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 166-167)
(…) Mas descobrir as inumeráveis barreiras que vos cercam é tornar-vos plenamente consciente, (…) lúcido em qualquer ação que ocorra ao vosso redor, ou no que quer estejais fazendo. Então todos os obstáculos passados, como tradição, imitação, temor, reações defensivas, desejo de segurança, de certeza – tudo isso entra em atividade; é só no que é ativo que há compreensão. Nesta chama de apercebimento, a mente e o coração libertam-se de todos os obstáculos, (…) falsos valores; então há libertação na ação, e esta libertação é a liberdade da vida, que é imortalidade. (Idem, pág. 167)
(…) Mas, sem dúvida, esse desejo de recorrer a outras pessoas só nos faz ficar dependentes; e quanto mais dependentes somos, tanto mais afastados estamos do autoconhecimento. E só pelo autoconhecimento, pela compreensão do processo integral de si mesmo, encontra o indivíduo a libertação; nesse libertar-se do seu processo de enclausuramento, de limitação, de isolamento, encontra o indivíduo a felicidade. (Viver sem Confusão, pág. 36)
(…) Freud, Jung, Adier e outros analistas, que estudaram o assunto e proclamaram alguns fatos, reportaram toda a conduta ao condicionamento na infância, etc. – estabeleceram certo padrão; podeis investigar nessa direção e obter informações adicionais, mas com isso nada aprendeis sobre vós. Estareis aprendendo de acordo com outra pessoa. (…) (O Começo do Aprendizado, pág. 123)
(…) Que entendemos por psicologia? Não é o estudo da mente humana, de nós mesmos? Se não compreendermos a nossa própria constituição, nosso ser psíquico, o nosso pensar e sentir, como poderemos compreender outra coisa qualquer? (…) A psicologia não é um fim em si mesma, é antes um começo. No estudo de nós mesmos, estabelecemos a base adequada à estrutura da realidade. (…) No entanto, sem uma base verdadeira, haverá ignorância, ilusão e superstição (…) (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 46-47)
A compreensão de nós próprios exige muito desprendimento e sutileza, muita perseverança e penetração, e nenhum dogmatismo ou asserto, (…), nenhuma negação ou comparação, que conduzem ao dualismo e à confusão. Deveis ser o vosso psicólogo (…), pois de vós vem todo conhecimento e sabedoria. Ninguém pode ser perito em relação a vós. Tendes de descobrir por vós e, assim, libertar-vos; nenhuma outra pessoa poderá auxiliar-vos na libertação da ignorância e do sofrimento. (…) (Idem, pág. 47-48)
O eterno é sempre o desconhecido para a mente que acumula. O que se acumula são lembranças – e a memória é sempre o passado (…) O que resultou do tempo não pode compreender o Atemporal, o Desconhecido. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 222)
Estaremos sempre em presença do desconhecido, enquanto não compreendermos o cognoscível, que somos nós. Essa compreensão não vos pode ser dada pelo especialista, pelo psicólogo, pelo padre; deveis procurá-la por vós mesmos, em vós mesmos, pela autovigilância. (…) (Idem, pág. 222)
O processo analítico é obviamente limitado, e não é, portanto, o caminho certo. Deve haver uma maneira de nos olharmos totalmente, sem as complicações da análise introspectiva, etc.; deve haver um estado, uma maneira de olhar, de observar, capaz de revelar-nos todo o conteúdo de nossa consciência. (…) (A Libertação dos Condicionamentos, pág. 38)
É de efeitos desastrosos considerar os nossos complexos problemas humanos num só nível determinado e permitir que os especialistas governem a nossa vida. Nossa vida é um processo complexo, a exigir uma compreensão profunda de nós mesmos (…) (O Caminho da Vida, pág. 25)
Nosso condicionamento, consciente e inconsciente, é muito profundo e poderoso (…) Somos cristãos, hinduístas, ingleses, franceses (…), pertencemos a esta ou aquela igreja (…) raça, com toda a sua carga histórica. (…) A mente consciente é educada de acordo com a cultura em que vivemos (…) Mas muito mais difícil é “descondicionar” o inconsciente, que desempenha um papel muito mais importante em nossa vida do que a mente consciente. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 14)
Isso não é questão de análise, porquanto não se pode analisar o inconsciente. Há especialistas, bem sei, que tentam fazê-lo, mas não o creio possível. O inconsciente não pode ser examinado pelo consciente. Já vos digo por quê. Através de sonhos, sugestões, de símbolos, de mensagens diversas, tenta o inconsciente comunicar-se com a mente consciente. (Idem, pág. 15)
Essas sugestões e mensagens requerem interpretação, e a mente consciente as interpreta conforme seu próprio condicionamento, suas peculiares idiossincrasias. Nessas condições, nunca há completo contato entre as duas, e nunca uma perfeita compreensão do inconsciente. (…) Entretanto, se não compreendermos e nos libertarmos do inconsciente, com sua carga “histórica” (…) haverá sempre contradição, conflito. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 15)
Ora, esta é uma de nossas dificuldades, talvez a principal dificuldade: o ficar livre de todo o conteúdo do inconsciente. É possível tal coisa? Não sei se já tentastes analisar a vós mesmos – analisar o que pensais, o que sentis, e também os motivos, as intenções que dão origem a vossos pensamentos e sentimentos. Se já o fizestes, estou certo de que descobristes que a análise não pode penetrar muito profundamente. (Idem, pág. 15)
Depois de atingir certa profundidade, se detém. Para penetrar muito profundamente, é necessário dar fim a esse processo, que é “o analista analisando continuamente”, e, em troca, começar a ouvir, a ver, a observar cada pensamento e cada sentimento, sem dizer “isto é correto e aquilo é errado” – sem condenação ou justificação. Quando se observa dessa maneira, descobre-se que não há contradição e, por conseguinte, nenhum esforço; há compreensão imediata. (Idem, pág. 15)
A questão, por conseguinte, é realmente esta: Como pode uma pessoa viver neste mundo sem produzir conflito, exteriormente e principalmente interiormente? Porque o conflito interior dita o conflito exterior. Só a mente que está verdadeiramente livre de conflito, em todos os níveis, por não ter problemas psicológicos de espécie alguma – só essa mente pode descobrir se algo existe além dela própria. (O Homem e seus Desejos em Conflito, pág. 16)
A compreensão do processo integral do condicionamento não nos vem por meio da análise ou da introspecção; porque, no momento em que temos o analista, esse mesmo analista faz parte do “fundo” condicionado (background); e sua análise, portanto, não tem valor. Isso é um fato, e cumpre-nos eliminá-lo. O analista, que examina, que analisa a coisa que está observando, faz parte também do estado condicionado, e, portanto, qualquer que seja a sua interpretação, a sua compreensão, a sua análise, a mesma faz sempre parte daquele “fundo”. Por esse caminho não há possibilidade de fuga; e é essencial quebrar o “fundo”, o background, porque, para corresponder ao desafio novo, a mente precisa ser nova, (…) não contaminada pelo passado. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 178)
Analisar o passado, chegar a conclusões, por meio de uma série de experimentos, fazer asserções e negações, e tudo o mais, isso, de certo, implica, na sua verdadeira essência, a continuação do fundo sob formas diferentes; e, ao perceberdes a verdade desse fato, descobrireis então que o analista deixou de existir. O “fundo” continua, mas o analista findou. Não existe então nenhuma entidade separada do fundo; só há pensamento, constituindo o fundo, sendo o pensamento reação da memória, tanto da consciente como da inconsciente, tanto da individual como da coletiva. (Idem, pág. 178)