- Atitude Científica e Espírito Religioso, Correlação
Vai ser dificílimo “discutir”, isto é, investigar. Investigar é uma verdadeira arte. Não é como dizer: “Creio e desejo, ou vou fazer isto”. Investigar, tal é o método científico: olhar, observar, sentir, apreender os fatos. Quando dizeis: “Desejo alcançar a Deus, farei isso”, não estais amadurecido, não tendes espírito científico. O espírito científico nunca aceita: ele olha, observa, considera. Só assim a mente é capaz de descobrir. (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 102-103)
A mente científica é objetiva. Sua missão é descobrir; perceber. Vê as coisas através de um microscópio, de um telescópio; tudo tem de ser visto exatamente como é; dessa percepção, a ciência tira conclusões, constrói teorias. Essa mente move-se de um fato para outro fato. (…) Os cientistas existem para explorar a matéria, investigar a estrutura da terra, das estrelas e dos planetas, descobrir meios para curar os males do homem (…) (Ensinar e Aprender, pág. 16)
Há, também, a verdadeira mente religiosa, que não pertence a nenhum culto, nenhum grupo, nenhuma religião.
(…) A mentalidade religiosa não é a mentalidade hindu (…) cristã (…) budista, muçulmana. (…) A mente religiosa é completamente só. Ela já compreendeu a falsidade das igrejas, dos dogmas, das crenças, das tradições. (…) É explosiva, nova, fresca, sã. A mente sã, jovem, é extraordinariamente maleável, sutil, não tem âncora. Somente ela pode descobrir o que se chama “Deus”, o que é imensurável. (Idem, pág. 17)
Só é verdadeiro o ser humano quando alia o espírito científico ao autêntico espírito religioso. Então, os homens criarão um mundo justo (…) O genuíno brahmane é o novo ente humano, que tem simultaneamente a mentalidade científica e a mentalidade religiosa, sendo, portanto, harmônico, sem nenhuma contradição interior. Para mim, o objetivo da educação é criar essa nova mentalidade, que é explosiva e não se adapta a nenhum padrão estabelecido pela sociedade (Idem, pág. 17)
É criativa a mente religiosa. Não lhe basta acabar com o passado, tem também de explodir no presente. Ela, diferentemente da que só interpreta os livros sagrados e a bíblia, é capaz de perquirir, bem como criar uma realidade explosiva. Aí não há interpretação nem dogma. (Ensinar e Aprender, pág. 17)
É sobremodo difícil alguém ser religioso e ter uma mente lúcida, objetiva, científica, intrépida, alheia à própria segurança, aos próprios temores. Não podemos ter uma mente religiosa sem a compreensão total de nós mesmos (…) Para descobrir e superar tudo isso, torna-se indispensável encarar o problema com uma mente científica, que é objetiva, clara, sem preconceitos, que não condena, que observa, que vê. Com essa mentalidade, somos efetivamente um ser humano culto (…) que conhece a compaixão. Tal ente humano sabe o que é estar vivo. (Idem, pág. 17)
(…) A mente religiosa é, deveras, uma mente científica; científica no sentido de que é capaz de observar os fatos sem desfigurá-los, de ver a si mesma tal como é. O libertar-se do condicionamento requer, não uma mente crédula, uma mente disposta a aceitar, porém uma mente capaz de se observar racionalmente, sãmente, e de perceber que, a menos que seja despedaçada a estrutura psicológica da sociedade, ou seja o “eu”, não pode haver “inocência”; e que, sem inocência, a mente nunca poderá ser religiosa. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 94)
Parece-me que, neste nosso mundo atual, onde vemos tanta confusão, aflição e agitação, são necessárias a mente científica e a mente religiosa. Esses dois, sem dúvida, são os únicos estados mentais reais; pois não é real o estado da mente que crê, (…) condicionada, quer pelo dogma do cristianismo, do hinduísmo, quer por qualquer outra crença ou religião. Afinal, temos problemas imensos e a vida se tornou muito mais complexa. (…) (O Passo Decisivo, pág. 98)
Assim, para vivermos neste mundo – com suas rotinas, seu tédio, a existência superficial da classe média, da classe superior ou da inferior – e resolvermos os nossos problemas, ultrapassá-los, penetrar profundamente em nós mesmos, só há dois caminhos: o científico ou o religioso. O “caminho” religioso inclui o científico, mas o científico não contém em si o religioso. (Idem, pág. 98)
Mas necessitamos do espírito científico, uma vez que este é capaz de examinar rigorosamente todas as causas da miséria humana; o espírito científico poderá promover a paz mundial, objetivamente – alimentar a humanidade, dar-lhe casas para morar, roupas, etc. – não apenas aos ingleses ou aos americanos, mas a todo o mundo. Não se pode viver na prosperidade, numa extremidade da terra, enquanto na outra extremidade existe degradação, doença, fome e esqualidez. (…) (O Passo Decisivo, pág. 98-99)
Sabemos o que é “espírito científico”: espírito de investigação, nunca satisfeito com seus achados, sempre variável, nunca estático. Foi o espírito científico que criou o mundo industrial; mas esse mundo industrial, sem revolução interior, produz uma medíocre maneira de viver. Sem essa revolução interior, todas as glórias e belezas da chamada vida intelectual só podem tornar a mente mais embotada, mais contentada, satisfeita, segura. O progresso em certos sentidos é essencial, mas também destrói a liberdade. (Idem, pág. 99)
Não sei se já notastes que, quanto mais coisas tendes, tanto menos livres sois. E, por isso, os homens religiosos do Oriente têm dito: “Renunciemos às coisas materiais, pois não importam. Busquemos a outra coisa.” Mas eles tampouco acharam essa “outra coisa”. Sabemos, pois (…) o que é o espírito científico – o espírito que existe no laboratório. Não me refiro ao cientista como indivíduo; este é provavelmente igual a vós e a mim, entediado da existência de cada dia, avarento, ávido de poder, posição, prestígio. (O Passo Decisivo, pág. 99)
Agora, muito mais difícil é averiguar o que é espírito religioso. (…) Queremos saber o que é espírito religioso – não esse estranho espírito que prevalece nas religiões organizadas, porém o genuíno espírito religioso. Como proceder? (Idem, pág. 99)
Só se começa a descobrir o que é verdadeiro espírito religioso por meio do pensar negativo, porquanto, para mim, o pensar negativo é o pensamento em sua forma mais elevada. Entendo por pensar negativo aquele que despreza, que rompe e destroça as coisas falsas, construídas pelo homem para sua própria segurança, seu sossego interior; (…) as defesas e o mecanismo de pensamento construtor dessas defesas. (O Passo Decisivo, pág. 99-100)
É preciso destroçar tudo, isso, ultrapassá-lo, (…) para ver se algo existe além. E o ultrapassar dessas coisas falsas não é uma reação ao que existe. Certo, para descobrirmos o que é o espírito religioso e dele nos abeirarmos negativamente, precisamos ver no que cremos, e por que cremos, por que aceitamos todos os inumeráveis condicionamentos que as religiões organizadas do mundo inteiro impõem à mente humana. (…) (Idem, pág. 100)
Direis, porventura, que, se ultrapassarmos todas essas chamadas estruturas positivas, atrás das quais a mente se abriga, ultrapassá-las sem desejar encontrar algo mais – nada mais restará senão desespero. Mas eu acho que temos de passar também pelo desespero. Só existe desespero quando há esperança – a esperança de nos pormos em segurança, permanentemente confortados, perpetuamente medíocres, perenemente felizes. (O Passo Decisivo, pág. 100)
Para a maioria de nós, o desespero é reação à esperança. Mas, para se descobrir o que é o espírito religioso, acho que essa investigação deve realizar-se sem nenhuma provação, (…) reação. Se vossa busca é apenas reação – porque desejais mais segurança interior – nesse caso vossa busca visa apenas a um conforto maior, seja numa crença, numa idéia, seja no conhecimento, na experiência. E a mim me parece que tal modo de pensar nascido da reação, só pode produzir mais reações, (…) não oferece a libertação do processo de reação, que impede o descobrimento. (…) (Idem, pág. 100)
Assim, para descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso, a mente deve achar-se num estado de revolução, e isso significa a destruição de todas as coisas falsas que lhe foram impostas, seja por pressão externa, seja por ela própria; pois a mente está sempre em busca de segurança. (O Passo Decisivo, pág. 100-101)
Afigura-se-me, pois, que o espírito religioso encerra esse constante estado mental que nunca constrói para sua própria segurança. Porque se a mente constrói com essa ânsia de segurança, então ela fica vivendo detrás de seus próprios muros e, portanto, é incapaz de descobrir algo novo. (Idem, pág. 101)
Por conseguinte, faz-se necessária a morte, a destruição do “velho”: destruição da tradição, libertação total do que foi, abandono das coisas acumuladas como memória, através de séculos. (…) E esse “limpar da lousa” – que significa morrer todos os dias e de momento a momento, para as coisas acumuladas – requer abundante energia e profundo discernimento; e isso faz parte do espírito religioso. (Idem, pág. 100)
Outra parte do espírito religioso é o “espírito-força”, que inclui a ternura e o amor. (…) E, com cada palavra “força”, quero referir-me a algo completamente diferente do impulso para ser poderoso, do desejo de dominação, controle; do poder que a abstinência confere; ou do poder de uma mente sagaz, cheia de ambição, avidez, inveja, ávida de perfeição. (…) Existe essa força, esse poder, uma coisa “exterior”, não produzida por nossa vontade ou desejo. Nesse poder reside aquela coisa extraordinária que é o amor; e este faz parte do espírito religioso. (O Passo Decisivo, pág. 101-102)
O amor não é sensual; nenhuma relação tem com a emoção; não é reação ao medo; não é amor materno, amor conjugal, etc. (Idem, pág. 102)
Segui bem isso, penetrai-o, sem nada aceitar nem rejeitar (…) Direis, talvez: “Tal amor (…) estado mental não baseado em lembranças, é impossível.” Mas eu acho que ele pode ser encontrado. É um poder existente por si só; é energia não causada. Difere inteiramente da energia gerada pelo “eu” em sua ânsia de alcançar as coisas que deseja. (…) (O Passo Decisivo, pág. 102)
(…) Tomai, por exemplo, o caso de um cientista, um grande cientista, e não um pseudo-cientista. Um verdadeiro cientista está continuamente experimentando sem buscar resultados. Em sua pesquisa há o que chamamos de resultados, mas ele não está preso a isso, pois continua sempre experimentando. Nesse mesmo momento da experimentação ele encontra alegria. Essa é a verdadeira meditação (…) (Palestras em Adyar, Madras, 1933-1934, pág. 91-92)
Agora, a parte nunca é o todo. (…) Não podemos alcançar o todo por meio de uma parte. (…) Ao terdes esse percebimento total, então, nesse sentimento total, está incluída a morte, a destruição, o sentimento de força pelo amor, e a criação. E isso é a mente religiosa. Mas, para alcançar esse estado religioso, a mente deve ser precisa, pensar com clareza, logicamente, nunca aceitando (…) conhecimento, experiência, opinião, etc. (O Passo Decisivo, pág. 103)
Vemos, pois, que a mente religiosa encerra em si a mente científica; mas a mente científica não contém a mente religiosa. O mundo vem tentando consorciar as duas, mas isso é impossível; (…) (Idem, pág. 103)