- Alma, Sentimento, Intelecto, Vida, Desejo, Temporal
Pergunta: Credes na alma?
Krishnamurti: (…) Pois bem; existe alma? A alma como entidade espiritual, não? – ou como caráter? Senhores, que entendeis por “alma” (…)? Referis-vos à psique? Estamos perguntando (…) se a alma, a entidade psicológica, existe. Existe, evidentemente, (…). (O que te Fará Feliz, pág. 56- 57)
Portanto, (…) Será realidade ou ilusão aquilo que se denomina alma, e será ela única? Existe ela separadamente e exerce a sua influência sobre o ser fisiológico ou psicológico? Chegaremos nós, pelo estudo dos tecidos e fluidos orgânicos, a saber o que é o pensamento, (…) a mente, a saber o que é essa consciência que jaz oculta na matéria viva? (…) (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 12)
Por essa razão deveis despertar, deveis abrir todas as janelas e portas de vossas almas e partir em busca da única Realidade da vida; e não vos deveis perder em tentativas febris e vãs, em corredores e becos escuros. (…) (O Reino da Felicidade, pág. 62)
(…) Que temos em vista, quando falamos a respeito da alma? Referimo-nos a uma consciência limitada. Para mim, há somente a vida eterna – em contraste com essa consciência limitada que chamamos o “eu”. (…) (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 122)
Enquanto houver tal consciência de separação, do “eu”, da personalidade, não pode existir a realização da verdade; (…). (Coletânea de Palestras, 1930-1935, pág.24)
(…) Não é sempre a ação do “ego”, o sentimento do “meu”, um processo de limitação? Vamos averiguar se a expansão pessoal conduz à Realidade, ou se a Realidade só se manifesta depois de desaparecer a personalidade, o “ego”. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 187)
(…) Qual o interesse que pomos em descobrir a verdade acerca da natureza e das atividades do “ego”, da personalidade? A meditação, a disciplina espiritual nenhum significado tem se em primeiro lugar não estiver bem claro para nós esse ponto. (…) (Idem, pág. 195)
Pergunta: Quereis dizer que inteligência e consciência individual são palavras sinônimas?
Krishnamurti: A consciência é o resultado da continuidade identificada. A sensação, o sentimento, a racionalização e a continuidade da memória identificada constituem a consciência individual, (…) (Idem, pág. 216)
O amor, é evidente, não é sentimento. Ser sentimental, ser emotivo, não significa ter amor, porque o sentimentalismo e a emoção são meras sensações. O indivíduo religioso que chora por causa de Jesus ou de Krishna (…) é apenas sentimental, emotivo. Está entregue à sensação, que é um processo do pensamento. (…)
O sentimentalismo, a emotividade, são puras formas de auto-expansão. Estar cheio de emoção não significa ter amor, porque uma pessoa sentimental pode tornar-se cruel quando os seus sentimentos não são correspondidos, quando não consegue dar expansão aos seus sentimentos. (…) (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 224)
(…) Ficai cônscios do sentimento de vir a ser; com o sentimento vem a sensibilidade, a qual começa a revelar tudo quanto se contém no vir a ser. O sentimento é endurecido pelo intelecto e pelas numerosas e sutis racionalizações, (…). (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 43)
Presentemente, a educação moderna está desenvolvendo o intelecto, oferecendo cada vez mais explicações da vida, teorias e mais teorias. (…) A mente – o intelecto – fica satisfeita com essas inúmeras explicações, mas a inteligência não, pois para entender tem de haver completa unidade da mente e do coração na ação. (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 125-126)
O tempo, pois, é uma ilusão (…) O desejo tem tempo, a sensação tem tempo, mas o amor nada tem que ver com o tempo. O amor é um “estado de ser”. (…) (Visão da Realidade, pág. 230)
(…) Assim, intelectualmente, estais sendo tolhido, sufocado, controlado, moldado e, por conseguinte, (…) não há possibilidade de libertação. Tampouco a há do ponto de vista emocional – mas não deis à palavra “emocional” o sentido de “sentimentalismo”. Um ente sentimental é perigoso: pode tornar-se estúpido, insensível. (…) (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 122)
O adestramento do intelecto não produz inteligência. (…) Há uma enorme diferença entre intelecto e inteligência. O intelecto é o mero pensamento funcionando independentemente da emoção (sentimento). (…) pode-se ter grande intelecto, mas não se ter inteligência. (…) (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 125)
(…) Uma inteligência que é produto do desejo, da expansão do “ego”, há de estar sempre a criar resistência e não pode, jamais, dar-nos a tranqüilidade. Essa inteligência protetora do “ego” é produto do tempo, do impermanente, e não pode, portanto, jamais, conhecer o Atemporal. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 215)
(…) Desenvolvemos uma certa qualidade de inteligência, em nossa atividade de expansão pessoal; com a nossa avidez, (..) instinto aquisitivo, (…) conflitos e penas, (…). Pode essa inteligência compreender o Real (…)? (Idem, pág. 201)
(…) O essencial é sabermos se essa inteligência que foi cultivada na expansão do “eu” é capaz de perceber ou descobrir a verdade; (…) Para descobrir-se a verdade, é necessário que estejamos livres da inteligência que está ligada à expansão do “ego”, porquanto esta é sempre (…) limitante. (Idem, pág. 201)
Ora, que é a mente? Ela não é apenas uma série de reações aos desafios que estão sempre a assaltar-nos, mas também uma série de lembranças, conscientes ou inconscientes, as quais estão constantemente moldando o presente em conformidade com o condicionamento. (…) Observai e vereis que vossa mente é uma série de desejos, mais o impulso a preenchê-los (…) (O Homem Livre, pág. 41)
Há, pois, uma diferença entre o intelecto e a mente. O intelecto é “separativo”, “funcional”, não pode ver o todo; ele funciona dentro de um padrão. E a mente é a totalidade que pode ver o todo. O intelecto está contido na mente; mas o intelecto não contém a mente. (…) É a capacidade da mente que percebe o todo, e não o intelecto. (O Passo Decisivo, pág. 272)
(…) Há uma atividade diferente que não procede do “ego” e que cumpre ser encontrada. Uma inteligência diferente é necessária para compreender-se o Atemporal, pois é só este que nos pode libertar de nossas lutas e sofrimentos incessantes. A inteligência que agora possuímos é produto do desejo de satisfação e segurança, material e espiritual, é resultado da cupidez, (…) da auto-identificação. Tal inteligência é incapaz de compreender o Real. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 215-216)
Pergunta: Como podemos ultrapassar essa inteligência limitada?
Krishnamurti: Se ficarmos passivamente vigilantes de suas atividades complexas e inter-relacionadas. Com essa vigilância, as causas que nutrem a inteligência do “ego” extinguem-se sem esforço auto-consciente. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 216-217)
Assim, pois, enquanto atribuímos exagerada importância ao intelecto, à mente que adquire saber, ilustração, experiência e lembranças, não existirá “a outra coisa”. Pode-se em certas ocasiões ter rápidas visões da “outra coisa”; mas (…) são reduzidas imediatamente às medidas do tempo, (…). (Poder e Realização, pág. 86-87)
(…) O culto do intelecto, em oposição à vida, conduziu-nos à nossa frustração, com suas inumeráveis vias de fuga. (…) A presente crise nasceu do culto do intelecto, que dividiu a vida numa série de ações opostas e contraditórias; foi o intelecto que negou o fator de unificação, que é o amor. (…) (A arte da Libertação, pág. 248)
Ora, dividimos a mente em pensamento, razão, intelecto; mas (…) a mente é, para mim, inteligência, inteligência que se cria, mas obscurecida pela memória; a mente, que é inteligência, está (…) confundida com aquela consciência do “eu”, resultado do ambiente. (…) (A Luta do Homem, pág. 65)
(…) A vida, por certo, implica ação diária, pensamento diário, sentimento diário (…). Implica as lutas, as dores, as ânsias, os enganos, as tribulações, a rotina do escritório, dos negócios, (…). Por “vida” entendemos não uma só esfera ou camada da consciência, mas o processo total da existência, que é a nossa relação com as coisas, com as pessoas, com as idéias. É isso o que entendemos por vida – e não uma coisa abstrata. (Novo Acesso à Vida, pág. 49)
(…) O viver realmente exige abundância de amor, de sensibilidade ao silêncio, grande simplicidade a par de abundante experiência. Requer uma mente capaz de pensar com toda a clareza, não tolhida pelo preconceito ou a superstição, pela esperança ou pelo medo. Tudo isso é a vida, e se não estais sendo educados para viver, vossa educação é completamente sem significação. (…) (A Cultura e o Problema Humano, pág. 35)
Que é “desejo”? E por que separamos o desejo da mente? (…) Em primeiro lugar, precisamos saber o que é o desejo, para podermos examiná-lo com mais profundidade. (…) “Experimentai” realmente a coisa sobre que estamos falando, e, desse modo, as palavras terão significação. (Realização sem Esforço, pág. 14-15)
Como se origina o desejo? Pode-se dizer com segurança que ele nasce do perceber ou ver, do contato, da sensação – depois o desejo. (…) Primeiro vedes um automóvel, depois vem o contato, a sensação, e, por fim, o desejo de possuir o carro, conduzi-lo. (…) A seguir (…) há conflito. Nessas condições, na própria realização do desejo há conflito, dor, sofrimento, alegria, (…). A entidade criada pelo desejo (…) está identificada com o prazer (…). O desejo, que nasce da percepção-contato-sensação, está identificado com aquele “eu” que deseja apegar-se ao que é agradável e afastar de si o que é doloroso. (…) (Idem, pág. 15)
Vamos, pois, investigar, descobrir o que é desejo. Com a compreensão do desejo vem a disciplina – disciplina não imposta por ninguém, que não é ajustamento nem repressão, porém uma disciplina inerente à própria compreensão do desejo. Como disse, desejo é apetite, aspiração, ânsia não preenchida. E, ou cedemos a essa ânsia, (…) desejo, ou o reprimimos, porque a sociedade nos diz que devemos reprimi-lo, porque as religiões organizadas preceituam que devemos transmutá-lo, etc. (…) (A Suprema Realização, pág. 43)
Temos desejo, que é, na realidade, reação a um apetite. Desejo ser uma coisa, e “reajo”. Essa reação depende da intensidade de meu sentimento. Se é intenso o sentimento, imperiosa a emoção, o preenchimento é então quase imediato, seja em pensamento, seja em ato. (…) (A Suprema Realização, pág. 44)
O desejo, reação a uma sensação a que se deu continuidade pelo pensamento, busca seu preenchimento; e, nas várias formas de preenchimento, há sempre contradição. Dessa contradição vem o conflito; e onde há conflito há esforço. O desejo, pois, gera o esforço, se não compreendemos o seu “processo” total. (Idem, pág. 44)
Tendes um prazer, sexual ou trivial, e pensais nele; criais em vossa mente imagens, símbolos, palavras. E, quanto mais pensais nesse prazer, tanto mais intenso ele se torna. E essa intensidade exige preenchimento. Mas nesse preenchimento há uma contradição, pois desejais também preencher-vos em outros sentidos.
(…) Por conseguinte, para fugirdes à contradição, à dor causada pelo conflito, dizeis ser necessário reprimir o desejo. Mas, não é importante reprimir o desejo, moldá-lo, sublimá-lo, porém, sim, compreendê-lo, compreender o que lhe dá substância, intensidade, urgência de preenchimento. Compreendido isso, tem o desejo significação completamente diferente. (Idem, pág. 45)
(…) A mente, que é também vontade, é a fonte do esforço, das intenções, dos motivos conscientes e inconscientes – o centro do “eu” e do “meu” e (…), por mais longe que tente alcançar, pode esse centro produzir uma transformação fundamental em si mesmo? (Claridade na Ação, pág. 27)
(…) Só pode haver revolução quando a mente cessa de funcionar no campo do tempo, porque então se torna possível a existência de um elemento novo, independente do tempo. (…) Podeis chamar esse elemento “Deus” ou “a Verdade”. (…) (Idem, pág. 28)
Há duas espécies de vontade – a vontade que nasce do desejo, da carência, do anseio – e a vontade do discernimento, da compreensão, (…). (Palestras em Ojai, 1936, pág. 94)
(…) A vontade resultante do desejo baseia-se no esforço consciente da aquisição, (…). Este esforço consciente ou inconsciente de querer, de ansiar, cria a totalidade do processo do “eu”, e daí surgem o atrito, a tristeza e a cogitação do além. Desse processo surge também o conflito dos opostos (…) (Idem, pág. 94-95)
Ora, não há vontade divina, mas apenas a vontade simples, comum, do desejo: a vontade de obter sucesso, de estar satisfeito, de ser. Essa vontade é uma resistência, e é fruto do medo que guia, escolhe, justifica, disciplina. Essa vontade não é divina. Ela não está em conflito com a chamada vontade divina, mas, (…) é uma fonte de tristeza e de conflito, porque é a vontade do medo. Não pode haver conflito entre a luz e a treva; onde existe uma, não existe a outra. (Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 103)
Pergunta: Podeis (…) explicar a diferença existente entre mudança na vontade e mudança de vontade?
Krishnamurti: Mudança na vontade é apenas o resultado de dualidade na consciência, e mudança de vontade tem lugar na plenitude de nosso ser integral. (…) (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 46)
Uma é mudança de grau e a outra é mudança de espécie. O conflito da carência ou a mudança do objeto do desejo é apenas mudança na vontade, mas com a cessação de toda carência dá-se a mudança de vontade. (Idem, pág. 46)
Mudança na vontade é uma submissão à autoridade do ideal e da conduta. Mudança de vontade é discernimento, inteligência, na qual não há conflito da antítese. Nesta última, existe um profundo e espontâneo ajustamento; na primeira, há compulsão por meio da ignorância, da carência e do temor. (Idem, pág. 46)
Se, quando escutais (…), fazeis algum esforço, isto é ainda resultado do conhecido. Quase todos nós vivemos pela ação da vontade, (…). A vontade de “vir a ser”, ser, é ação do conhecido, (…). Por conseguinte, a ação da vontade não pode encontrar nunca o que é real. (…) (Viver sem Temor, pág. 17)
Nota: Conforme fontes orientais e ocidentais, incluindo Escrituras, a alma e seu campo abrange sentimento, emoção, paixão; mente concreta, temporal, intelecto, correspondente inteligência; vida, prana, princípio vital; e desejo-vontade, kâma, vinculado ao Id da psicanálise. Aqui foram incluídos textos correspondentes, de Krishnamurti.